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terça-feira, 16 de setembro de 2014

Os que sofrem mais

Algumas pessoas têm a especial habilidade de valorizar dramas pessoais além da conta. Acompanhei nas redes sociais uma conversa digitada neste rumo. Era tal de “ninguém me entende, só acontece comigo e o que eu fiz para merecer isso” que chegava a enojar a quem curtia, ou descurtia, o bate-papo online. A mulher reclamava que o marido adquirira uma bactéria ultra resistente. “Tu nem sabe, gastamos uma fortuna, ele emagreceu, desconfiei até de doença sexualmente transmissível. Justo ele, que mal dá conta em casa”, detonou a esposa.

E navegando na autopiedade dizia que em uma outra vida devia ter sido uma pecadora insana para sofrer tanto! A lista de infortúnios cotidianos era interminável: falta de remédios, filas intermináveis para consultas com especialistas milionários, como se fosse a única a viver tais desconfortos. A todo comentário solidário que recebia, respondia com relatos escabrosos, ou nem tanto, de seu dia a dia à beira do leito hospitalar.

Isso foi até uma de suas amigas perguntar, talvez irritada com essa mania de se tornar “a maior vítima do mundo”, sobre o verdadeiro estado do esposo já que ela estava podendo acessar a internet. E a lamurienta precisou reconhecer que, finalmente, haviam encontrado uma medicação eficiente e o organismo do infeliz reagia positivamente. Até uns quilinhos ganhara. Graças a Deus! “Viu? Nem tudo é problema em tua vida. Com fé sempre se encontra uma solução”, disse a amiga otimista.

E mesmo alertando que não gostava de colocar temas tristes nas redes sociais, essa mesma amiga confidenciou ao grupo um drama pessoal bem recente. “Vocês sabem que desde a morte de meu marido, nunca mais tive outro relacionamento.” Mas no ano passado, conhecera “um senhor muito simpático”, em uma excursão ao Nordeste. E da conversa descompromissada, iniciou uma amizade mais íntima. Um namoro discreto como o de muita gente madura, que já não acreditava mais nisso. Em poucos meses eram parceiros em cinemas, jantares e viagens.

Não escondiam nada, mas também não revelavam a relação para os outros. Isso durou até o dia em que, repentinamente, perderam contato. Ela ligou várias vezes e nada! Foi até ao apartamento dele e o zelador repetiu o que ela já sabia: estava em visita a filha, em Belo Horizonte. Mas por que não atendia? Ou ligara como haviam combinado? Na semana passada, veio a resposta. A filha, pedindo desculpas por não retornar as ligações. O celular fora localizado, totalmente desmontado, debaixo da cama.

Relatou, entre lágrimas, que o pai sofrera um infarto fulminante. “Quer notícia mais dura e triste? Tu tens ainda teu marido e, eu, de alguma maneira, voltei a ser viúva”. A outra, fatalista como sempre, manifestou seu pesar, é claro. Mas contra-atacou:

“Pelo menos tu não viveu a angústia que ainda enfrento. E se o tratamento não der certo?” A conversa acabou ali mesmo. A dor maior sempre será do egoísta que se faz de vítima. Tenho certeza que meus caros leitores já cruzaram com gente assim. Ou serei eu o único?

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O fast-food do Universo

O governo do Peru declarou como patrimônio cultural da nação os conhecimentos tradicionais e usos da ayahuasca praticados por comunidades nativas em sua floresta amazônica. Aqui no Brasil, a planta é conhecida como  "Santo Daime" e entidades como o Alto Santo, Barquinha e União do Vegetal, solicitam o reconhecimento do governo para seu uso em rituais religiosos, como patrimônio imaterial da cultura brasileira.

Os peruanos justificam a iniciativa ao destacar que a capacidade psicotrópica da planta atua sobre o psiquismo, a atividade mental, o comportamento, a percepção, sendo conhecida no mundo todo como uma planta indígena que transmite sabedoria para os iniciados sobre os próprios fundamentos do mundo. Quem me enviou essa notícia foi um antigo parceiro dos anos 60 ao lembrar os tempos dos hippies, quando muitos buscavam essências divinas entre alucinógenos e meditação transcendental. Entre outros, o livro "Uma Estranha Realidade", do mexicano Carlos Castaneda é um bom exemplo.

Na época, meu amigo, achava tudo isso uma grande bobagem. No mínimo uma desculpa para drogar-se. Hoje, diante da violência, do pragmatismo exacerbado que destrói o núcleo familiar e torna a existência uma encruzilhada de compromissos materiais e questionáveis conquistas revolucionárias, passou a acredita que, ao buscar respostas interiores e dar um tempo para pensar a vida, tudo ganha mais sentido.

Morremos assassinados por meninos sem fé, bandidos sem limite e policiais sem razão. Um mergulho na experiência ancestral de quem tão bem se relacionava com a natureza, não ajudaria um pouco? Respeito os que utilizam a ayahuasca como religião. Mas ainda acho que a prática da  meditação, seja através de yoga ou outro método ainda é um caminho mais limpo. Evita a poluição química do organismo, te obriga a um verdadeira abrir de portas.

De qualquer forma, algo precisa ser feito imediatamente. É preocupação demais com  dinheiro, cartões magnéticos e carro novo. E o sexo? Queremos o melhor, o maior, o mais sarado, ou o mais excitante sempre e a qualquer hora. Trocamos a naturalidade das coisas, por fotos maquiadas em revistas, espetáculos onde vale tudo e tudo passa a valer nada. Não é esse o caminho do prazer e amor.

Aquele que pretende  emagrecer deve, antes de tudo, retirar as "gorduras" que oprimem a constatação de que somos o fast food do Universo. É tão curta nossa passagem que precisamos temperar a vida com as finas ervas da fé, da sabedoria que nada tem a ver com o conhecimento tecnológico mas que se somada a este, lhe dá mais sentido. E sentido é tudo o que buscamos.

Está certo o governo peruano ao reconhecer uma tradição popular. A valoriza de tal forma que a impede de acabar como produto nocivo que simplesmente aumentaria o vazio da alma humana. Assim como aconteceu com outra planta de origem indígena - a coca -, que ao ser processada pelo colonizador oportunista, transformou-se em uma das mais mortíferas desgraças da sociedade moderna.