terça-feira, 2 de dezembro de 2025

ANSIOSO DEZEMBRO NATALINO

 Todo ano é a mesma coisa: dezembro dá as caras e, de repente, parece que alguém apertou o botão de “acelera tudo”. As ruas se enchem, as agendas se complicam, os mercados viram arenas de gladiadores atrás de ofertas dos panetones e perús que, com certeza, acabarão sobrando depois das festas. Nas gôndolas e mesas dos lares.
 

Em novembro, eu já percebia essa ansiedade natalina que, invariavelmente, chega antes das luzes piscantes e demora mais que os enfeites para ir embora. É uma ansiedade curiosa, do tipo que não dói  mas cansa. 

A gente acorda com a sensação de que tem algo urgente para resolver. Só não sabe exatamente o quê. Talvez seja comprar presentes, aqueles mimos de baixo custo e, se possível,  bom gosto. Talvez lembrar onde guardou as bolas da árvore do ano passado. Quem sabe não é o tal espírito natalino tentando sair — tímido, cambaleante, procurando espaço entre boletos e compromissos.

Observem que nas conversas nesses dias, ninguém responde “tudo bem”. É sempre “na correria”, “uma loucura”, “estou me virando”. Até parece que estamos todos numa enorme gincana anual cujo prêmio é chegar ao dia 24 com a ceia completa e a sanidade intacta. Missão quase impossível.

E, no entanto, tem algo reconfortante nessa bagunça de final de ano. É como se a cidade inteira respirasse no mesmo ritmo meio atrapalhado. Um espirro de esperança aqui, uma risada nervosa ali, aquele vizinho testando pela décima vez a tomada do pisca-pisca. Somos todos personagens de um grande ensaio geral para a noite de Natal.

O curioso é que, no fundo, a ansiedade natalina também tem seu charme. Ela nos lembra que o ano passou, que vivemos coisas demais para caber em uma retrospectiva de rede social, e que — apesar da avalanche de pendências — ainda somos movidos por um desejo bonito: reunir, celebrar, estar perto.

A verdade é que dezembro é um mês ansioso por natureza. E nós, coitados, ficamos a tentar acompanhá-lo com café, lista de presentes e um humor que oscila feito luzinha de árvore barata. Ah! Tem as notícias de jornais, sempre com mais brigas, divergências políticas presas a tornozeleiras eletrônicas ou a opiniões imutáveis. E, no ano que vem, teremos campanha eleitoral. Socorro!

Mas aí chega a tão esperada noite de Natal. A mesa posta, as risadas, a farofa temperada, alguém discutindo que aquilo não é peru, mas um frango peitudo. “Eu nem provarei se ficar muito seco”, decreta a sogra com aquele olhar de cobra criada. Chega a hora dos abraços e percebemos que, no fim das contas, valeu a pena. A tensão se dissolverá com o aroma do café da manhã do dia 25.  Até que, claro, tudo recomece no próximo ano.

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Quando o feriado é na sexta-feira

 O humor das pessoas na sexta-feira é mais positivo e feliz do que em outros dias da semana. O "sextou" é a antecipação do fim de semana, as pessoas aproveitam essa queda nos níveis de cortisol, o hormônio do estresse, para curtir uma rara sensação de alívio e relaxamento. Melhor ainda quando é feriado na sexta-feira. Aí é quase um presente divino embrulhado em um calendário.


Na quinta à noite, o despertador já é olhado com desdém, afinal,  ele não tem poder algum no dia seguinte. A gente dorme mais leve, como quem sabe que  o dia seguinte o mundo pode continuar girando sem a nossa pressa.


A sexta, quando é feriado, tem um brilho diferente. O café parece mais aromático, o sol mais simpático mas, se chover, já começa a especulação sobre quais séries nós vamos finalmente concluir na TV. O ideal é ignorar o noticiário, político e focar nos cadernos de variedades. E se o vizinho  ligar o som alto às dez da manhã, eu vou assimilar a sensação de que ele se tornou um DJ de boas intenções.


Aqui em casa esse dia especial de folga, começa com algumas promessas tipo, arrumar a casa, fazer exercícios de alongamento entre outras frugalidades. No fim, cumpre-se apenas a parte de descansar o corpo e a consciência ainda aplaude. Nada de remorsos. Eu me permito achar que até o final do ano, antes do Natal, darei um jeito. 


O feriado na sexta é o par perfeito do domingo. Os dois se olham de longe, separados apenas pelo sábado, e formam o que os especialistas chamam de “mini-férias psicológicas”. A alma respira, o relógio desacelera e o coração agradece a generosidade do tempo.


E na segunda, a gente volta mais leve, quase acreditando que poderia viver assim: quatro dias de semana - três de descanso -, num mundo onde o calendário aprendesse a, de vez em quando, ter um pouco de compaixão.

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Instantes eternos

No ano passado, enquanto caminhava próxima a orla, na Praia do Cassino, me  deparei com uma cena singela: um casal de idosos sentado em um banco, mãos entrelaçadas, olhando o mar. Não trocavam palavras, apenas silêncios. Mas havia ali uma comunicação tão intensa que me senti intruso por alguns segundos. O vento trazia o cheiro de maresia e o barulho das ondas completava aquela pintura de serenidade.


Imediatamente lembrei a frase “viver é muito perigoso, mas é bom.” do personagem Riobaldo, em Sertão Veredas, de Guimarães Rosa. E aí voltei aos nossos dias - eventos extremos de profunda estiagem, seguidos de enchentes de proporções históricas. Pensei em como, apesar de tantas agruras, a vida se sustenta em momentos assim — pequenos, discretos, mas que têm a capacidade de eternizar o instante.


Continuei a caminhada e, um pouco mais à frente, um grupo de adolescentes ensaiava passos de dança para o Tik Tok. Entre risadas e poses improvisadas, repetiam a mesma música dezenas de vezes, até que o celular marcasse o “take perfeito”. De um lado, a eternidade da calma. De outro, a urgência do agora. A vida é esse vaivém.


Na volta, lembrei a citação de um amigo músico que, ao querer me tranquilizar sobre a brevidade existencial me disse: “A gente só descobre a grandeza do tempo quando para de correr contra ele.” Carreguei essa frase comigo especialmente nos dias em que quase não reconheço o senhor refletido em meus espelhos. Talvez seja isso: parar um pouco, respirar e aceitar que nem tudo se resolve na pressa ou é passageiro.


O casal, ali naquele banco, me ensinou que a cumplicidade dá conta do silêncio. E aqueles jovens, me alertaram para a leveza de rir sem medo do ridículo enquanto meu sábio amigo, me entregou uma chave à reflexão. 


Na soma de tudo, percebo que o tempo não é inimigo  — é professor. Ele mostra que não precisamos de grandes feitos para marcar nossa passagem. Basta viver com efetiva presença no aqui e agora, exatamente porque é nesse intervalo que se guarda a eternidade.

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

O tempo é rei

Assisti ao show de  Gilberto Gil que, aos 83 anos, retomou as apresentações, após a morte da filha Preta Gil. “Tempo Rei” é um espetáculo perfeito, com momentos que me levaram do sorriso às lágrimas, em pura resposta à sensibilidade do artista à sua  reflexão sobre a natureza transformadora do tempo, soberano absoluto, mas nunca uma força de extinção. A frase "Tempo rei, ó tempo rei, transformai as velhas formas do viver" é a aceitação da mudança constante e, em meio a isso, a busca por um propósito a essa curta passagem terrena. 



Nas cadeiras abaixo da minha, tinha um grupo animado de jovens senhoras que, entre os muitos assuntos, recaíam, basicamente, na questão da saúde. Dores lombares, enxaquecas mas, especialmente, nas diversas classes de medicamentos antidepressivos, que estimulam a serotonina, nossa importante “molécula da felicidade”. Trocavam vivências, desde efeitos colaterais aos possíveis sintomas de abstinência ao abandonar os remédios. Tudo tarja preta!




Uma delas disse que sofrera muito tempo com transtornos de ansiedade e esses remédios a haviam salvado. Mas falava de olhos fixos ao palco, ansiosa. Quando passou um ambulante oferecendo vinho, as três brindaram com um duvidoso cabernet sauvignon. Foi aí que, por alguns momentos, entramos em sintonia. Uma delas gritou: “Vinho é o meu calmante!” As amigas riram, levaram as taças em direção ao palco e, com certeza, naquele momento a alma delas cheirava a talco, “feito bum-bum de bebê" como, posteriormente, cantou Gil.




Mas levar a bebida à condição de bálsamo também é exagero. Um taça, quem sabe, estabiliza. Os vinhos, inclusive em cultos religiosos, representam a alegria, a fartura e a benção. Mas na medida certa, sem o trágico caminho do alcoolismo. E aí volto às moças do show. Movidas pelo vinho, naturalmente se abriram a comentar sobre amores, ilusões e desilusões. Estavam solteiras pelo que entendi. E em busca de amores, senti. Uma delas reclamou que o tempo estava passando muito rápido. Perdi o resto do comentário porque o show iniciou. 




Eu que já superei a fase dos medicamentos, mas sigo parceiro de bons vinhos, lembrei outra canção sobre o tempo, “All Things Must Pass” (Tudo Passa), do beatle George Harrison, que já partiu mas deixou sua mensagem: “O nascer do sol não dura toda a manhã, nem um céu carregado de nuvens será o fim do amor que partiu sem aviso. Nunca será sempre assim, cinza. Afinal tudo passa”. 




E neste momento, já distante da juventude, aprendo com a maturidade a valorizar cada dia vivido. Um amigo poeta - o Sid D'Jesus - uma vez disse, ao me ver frustrado com essas coisas típicas de um cotidiano difícil. “Não esqueça jamais: sonhos não possuem prazo de validade. A vida coloca obstáculos, mas tu define os limites”. E talvez por isso, Gil supera a perda de uma filha ao voltar a seu público, cantando:  “Não me iludo. Tudo permanecerá do jeito que tem sido. Transcorrendo, transformando. Tempo e espaço navegando em todos os sentidos”.


segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Inverno no calor dos encontros

 Confesso que já gostei mais dos invernos. Apesar da chuva, da geada que  resseca a grama, eu dava mais atenção à correria de meus filhos, gostosos de apertar, feito bichinhos de lã, com suas bochechas vermelhas e fofas. Lembro do frio que cortava feito diamante o vidro da janela e me obrigava a recorrer aos chás, cafés especiais e, quando possível, provar vinhos mais encorpados. Até uma confraria criei ao lado de amigos. O ar gelado era desculpa para reuniões animadas. 


Enquanto o gelo cobria a capota dos carros, lá fora, no calor da lareira esquentava-se a vida. Lembro dos amigos que recitavam poesias, inspirados pelo mesmo deus Baco que, de propósito, os fazia esquecer estrofes, ou engolir rimas. Mas tudo era válido, quente e aconchegante. Porque era inverno e estávamos juntos. 


A lareira parecia nunca apagar, a adega sempre cheia. Os confrades traziam seus vinhos e pães, queijos, salames coloniais e caldos a ferver seus vapores aromáticos. O inverno se cobria de um frio suportável assim, mesmo que insistisse em chuvas intermináveis, entremeados de raros dias de sol pleno, abaixo de zero. Lagartear era tudo o que se precisava para recarregar as baterias.


Chimarrão, chás de todos os tipos e cafés servidos direto da cafeteira italiana. Era energia pura, que se agarrava na certeza de que toda estação tem seu encanto, mesmo que absolutamente fria, com ares melancólicos, quase depressivos. Eu não me permitia sofrer contra o óbvio. Porque reclamar do inverno frio, se não tinha como ser diferente. A alternativa, o norte ensolarado, era apenas uma fantasia cara demais para ser verdade. E duraria poucos dias. Longos seriam os meses a pagar passagens aéreas e hospedagem.

Quero de volta esse frio que convida a algum tipo de celebração. Que não me isole num edredon solidário. É bom, mas não é tudo. Brindar a reação ao frio é importante também. Logo ali teremos o advento gostoso da primavera, em seguida o verão, onde reclamaremos do calor, cada vez mais extremado.    


Mas por enquanto, quero a certeza de que, com algum esforço criativo, não nos faltará parceria para aquecer a tão necessária alegria de viver. Encontros próprios para se quebrar o gelo, melhorar o humor. "E no meio de um inverno eu finalmente aprendi que havia, dentro de mim, um verão invencível," filosofou o escritor franco argelino Albert Camus. Que assim seja!

quinta-feira, 3 de julho de 2025

Crise existencial e um cabernet

 

Algumas vezes, me pergunto se está tudo realmente bem encaminhado na minha vida. Uma amiga, psicanalista, diz que todos  nós passamos por esses momentos. Questões existenciais são perguntas frequentes, e profundas, sobre a natureza da existência humana, o propósito da vida, a liberdade, a morte. Qual o significado de tudo isso? Depois de muita leitura e  alguma autoajuda barata, decidi pela constatação que considero  definitiva: vivemos entre a ilusão da felicidade eterna e a certeza do preço que pagamos para encontrá-la. 


Um vizinho, parceiro de confrarias, acompanhou minhas divagações filosóficas, e ameaçou me tirar o copo de vinho se eu não trocasse a pauta pesada por dúvidas mais objetivas e frequentes.  “Será que vai esfriar mais?” sugeriu. Mas a pergunta congelou no ar e eu retomei a filosofia barata sobre a condição humana e a busca da perfeição por meio da sabedoria, empatia e comportamento íntegro. 


Corri até a sala, abri outra garrafa e decidi esquentar meus amigos com taças de um bom cabernet. Mas ao segundo gole, lá veio o vizinho, provocando ironicamente, ao reafirmar que a noção de perfeição pode e deve ser questionada, “afinal errar, como o vinho que tu me serviu agora, é parte de nossa condição existencial”. 


Bebia o que eu oferecia e ainda criticava, justificando que a imperfeição fazia parte da humanidade. “É o que dá asas à evolução. Por isso, na próxima vez, vais me oferecer um Malbec, vinho bem mais encorpado e adequado à temperatura de hoje”, sugeriu com ar de esnobe sommelier. Certamente esse amigo sabe muito pouco sobre evolução, ou filtra o que lhe serve em bate-papos etílicos. 


Corri à adega e voltei com o vinho encorpado exigido. Quem sabe assim, conseguiríamos uma pitada filosófica sobre a busca por sentido em um mundo aparentemente despido de significado. E reservamos um viva às safras de tintos robustos, às conversas malucas, provocações bem humoradas e a paciência de quem chegou até fim deste texto. Aparentemente, bem encaminhado. Tim-tim! 

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Até que a instabilidade os separe

Ela era uma das maiores divulgadoras de jogos de azar no país, ele filho de Leonardo e igualmente intérprete sertanejo.  Eu me refiro à influenciadora Virginia, que nessa semana anunciou a separação de Zé Felipe, prometendo que serão “apenas amigos”, aquele lugar comum de todos  divorciados que se esforçam em manter a elegância, apesar do roteiro de “sofrência” que costumam cantar. Ganharam notoriedade por serem famosos, mas li nos jornais que, no ano passado, houve um aumento nos divórcios no Brasil, marcando um recorde de 420 mil casos. 


O amor para todo o sempre, está cada vez mais finito, atarefando cartórios na discussão de sentimentos e partilhas, às vezes, nada amistosas. Sim, desse total,  340.459 foram realizados por meio judicial e 79.580 de forma extrajudicial. O número de casamentos, por outro lado, apresentou uma queda, refletindo a tendência de diminuição contínua desde a pandemia. É o amor perdendo para a paixão? Meu coração romântico ainda tenta uma salvação para as ditas uniões estáveis, cada vez mais sujeitas a chuvas e trovoadas. 


Talvez a sertaneja Virginia tenha confundido a moral dos relacionamentos com a do jogo que divulgava em redes sociais. Mas o “Amor não é jogo de azar”, já alertavam os igualmente sertanejos Bruno e Marrone. Quando termina, por esse ou aquele motivo, deixa lá seus rastros de bons momentos, mas principalmente, muita mágoa e frustração por tantas promessas e juras corrompidas.  Eu sei do que falo, estou em um terceiro relacionamento e, desta vez, mais curtido e experiente com a vida à dois, sei que ela deve ter um bom acordo e regras para depois não ficar naquela discussão tipo “a culpa é tua”. 


Tenho um amigo que, nos longos anos em que convivemos, já deixou o lar umas dez vezes. Um quase recordista da rendição. Atualmente vive próximo a ex mas se diz independente. Livre! Pensa que me engana, eu sei das visitas íntimas sorrateiras que promovem. Meu pai dizia que o mundo da tecnologia, da cultura de massa e o número avassalador de divórcios, não acabaria com os casamentos, mas o tornaria flexível na mais ampla leitura dessa palavra. Entre tapas e beijos é o que tenho percebido.  Estarei errado?


ANSIOSO DEZEMBRO NATALINO

 Todo ano é a mesma coisa: dezembro dá as caras e, de repente, parece que alguém apertou o botão de “acelera tudo”. As ruas se enchem, as ag...