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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A porta abriu



O que acontece depois?
Por Nadir da Costa Jardim

Era segunda-feira, um dia como todos os outros, para todos os outros, exceto para Estela. Mulher madura, independente, divorciada, 2 filhos. Havia decidido naquele final de semana que não iria mais guardar a sua beleza, a sua preciosidade espiritual e o seu sexo para si mesma, queria compartilhar. Aliás, necessitava disso para a própria sobrevivência.

No início do ano, já havia prometido que 2012 seria um "ano novo" para ela, decidiu que iria sair da zona de conforto e enfrentar o mundo - seja ele do tamanho que fosse - porque na verdade ela nem sabia o que lhe esperava, apenas sentia que necessitava renovação.

Surpresa, recebeu uma ligação naquela segunda-feira, de um amigo de longa data, que sabia de um dentista no seu prédio que queria dividir o consultório e lembrou imediatamente dela e de seu sorriso... ela estremeceu.

Desejava tanto alguém que ela pudesse amar demais, além da medida, porque, no fundo, depois de tanto sofrimento, nada melhor que amar muito, muito mais e melhor. Ela, agora, não queria mais família, nem filhos, nada que está escrito em livros e revistas, ela queria sexo, cumplicidade, mas mais do que isso, ela desejava se entregar de novo.

Tomou um banho, massageou-se com óleo de rosas, um perfume discreto que só se percebe quando o nariz desliza sobre a pele... Toda a vez que Estela tomava banho, pensava no homem que um dia iria descobrir ou despertar alguns de seus mais reservados segredos...

Lá estava ela, vestindo uma lingerie sofisticada e delicada, por debaixo de um vestido acinturado e salto alto. Suas unhas: vermelhas. Deliciosamente linda, uma mulher de 48 anos, manequim 40, seios firmes e uma cintura que invejaria muitas mulheres.

Apenas o movimento dos seus quadris denunciava a sua maturidade, pois movimentava-os em um balanço seguro e sedutor. Dirigiu-se ao endereço indicado pelo amigo, Av. Luís de Camões, 727 – 31º andar...

Chegando lá, frente ao elevador, abre-se a porta... Nele estava seu amigo Daniel, aquele que havia lhe telefonado. Ele estava mais lindo do que nunca, se olharam e sorriram, saudosos de que havia algo pendente na história de ambos, mas ela sabia que Daniel era casado... Seu instinto, com o tempo, estava mais apurado... Havia perigo e ao mesmo tempo uma fantasia latente.

Seu sorriso foi subsituido por um olhar, quase piedoso. Agradeceu ali mesmo, na porta do elevador, mas não podia aceitar. Daniel insistiu carinhosamente, seu olhar abraçava-a, buscando reciprocidade. Ela sabia que entrar naquele elevador poderia levá-la a lugares antes inalcançáveis, mas sempre imaginados. Estela olhou para dentro de si, para sua 'especialidade' e sua intuição. Sabia que aquele elevador não a levaria a lugar nenhum.

Haveria um limite.Ela não queria mais limites. Ela não queria mais ser definida como "Mulher madura, independente, divorciada, 2 filhos." Ela queria tudo! Seu lugar não era ali. Estela, mais uma vez, sentiu-se dona de si, agradeceu e partiu.

sábado, 8 de setembro de 2012

A mulher que ouvia demais

Melhor do que ouvir é...

Duas batidas secas na porta. Por que não haviam usado a campainha? Espiou pela janela, e viu Fred Astaire, o cachorro magrelo, sem raça definida, que adorava correr para, em seguida, deslizar no piso vitrificado da cozinha. Parecia um dançarino, diziam os filhos. Daí o apelido. Irritava-se com essa sensibilidade auditiva. Ouvido de "tuberculoso” brincava o marido que, no passar dos anos, consultava a esposa para localizar a origem de sons estranhos no carro. Sim, ela escutava tudo o que a grande maioria não percebia. As crianças cochichavam alguma brincadeira secreta e ela já sabia se era coisa perigosa ou se podia liberar, sem riscos. Não gostava disso, porque, muitas vezes, a fofoca das falsas amigas, algumas combinações suspeitas entre senhoras e senhores casados, lhe deixavam literalmente perturbada. E sofria com isso.

No mês passado foi ao médico para exames de rotina. Lá encontrou duas conhecidas que, no silêncio absoluto do consultório, passaram a sussurrar alguma coisa muito séria, pois mantinham a testa franzida naquele jeito de quem se refere a temas graves. Sem fazer nenhuma força, ouviu o que diziam: “Será que ela já sabe? Pobrezinha, tão querida, tão leal e ele saindo com outra. Foram vistos juntos no mesmo carro, sumiram em direção ao interior. E mais de uma vez!” É claro que precisava saber quem era. Fofoca pela metade não tem a menor graça. E foi assim que ouviu o nome de seu marido. Era ele o sujeito que carregara, segundo elas, mais de uma vez, uma estranha no carro da família, para lugar incerto na zona rural.

Arrasada, pesquisou e não descobriu nenhum motel no tal caminho citado pelas mulheres. Os encontros eram então na casa da amante. Sofreu como nunca, desejou ser surda para não ouvir coisas tão horríveis. O marido chegou e ela não o ouviu abrir a porta. Estava surda de mágoa. Pensou no que dizer. E se fosse outro, com o mesmo nome, o mesmo carro? Não resistiu e procurou uma daquelas senhoras. E foi o que bastou para seu mundo desabar. Elas haviam realmente visto seu marido entrando e saindo do banco onde tinham conta conjunta, com a mesma mulher, mas em outro carro. Ele que sempre fora parceiro, fiel e apaixonado. Com outra?

As finanças eram administradas pelo marido, mas o momento era de urgência e foi conferir o saldo. Notou que uma quantia superior a pouco mais de R$ 1 mil havia sido sacada. Era o preço da orgia! Chegou em casa mais triste do que furiosa. Não podia acreditar naquilo. Pior, abriu a porta e ouviu o marido a segredar: “Ela está chegando, preciso desligar!”. Quase desmaiou. Mas manteve-se firme. Quando a avistou, em tom sério, pediu: “Vamos conversar”. Ela tremeu. “Vai dizer que está com outra”, pensou enquanto percebeu nas mãos dele um chaveiro bem antigo. “Ele já está na casa da vadia”, concluiu.

“Quer propor divórcio. É advogado, vai tentar me enrolar. Isso nunca!” No mesmo tom calmo e em voz baixa, porque sabia da audição perfeita da esposa, juntou as chaves com os papéis e disse: “Te devolvo algo que sempre te pertenceu”. E aí ela não entendeu mais nada até recuperar a concentração e perceber que ele lhe entregava um contrato de compra de imóvel. Em resumo, adquirira a casa onde ela passara a infância e que havia sido vendida para saldar dívidas do pai. Era um presente! E a moça, a provável amante, corretora de imóveis. O dinheiro, sacado no banco pagamento de taxas. Sentiu muita vergonha, chorou duplamente emocionada, abraçada ao marido.

Guardou a lição de que melhor do que ouvir bem tudo que se diz ao redor, é saber discernir entre o que realmente agrega e a fala destilada por aqueles que ouvem muito bem, enxergam melhor ainda, mas pintam a realidade com a cor opaca de sua própria mediocridade. Por via das dúvidas, para evitar novos sustos, ela usa o fone do celular para ouvir música e filtrar a poluição verbal, em lugares públicos. Aprendeu que a voz da intuição, como cantava John Lennon, sempre nos leva lá, onde fica o caminho da verdade.