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sexta-feira, 14 de junho de 2013

Depois do Dia dos Namorados


Ele e ela são amigos. Vale um namoro?
Nós nunca trocamos versos, nem mesmo olhares furtivos. Tudo muito simples, tudo na base da parceria amiga. Não passeamos de mãos dadas feito bobos, nem rimos sem que ninguém entendesse a graça. Porque a graça é secreta. Transparente feito bola de sabão, mas somente os amantes a interpretam. Como não somos amantes, não há fantasia. Nunca saímos a comer pipoca no cinema. Nem roubei beijos - cobrindo a visão de quem senta bem atrás - bem na hora em que o crime se elucidaria na tela colorida. Não fomos esse tipo de gente chata, de paixão exibicionista.

E os restaurantes? Comida italiana, bacalhau à portuguesa, pratos refinados franceses ou a exótica e sensual comida tailandesa? Passaram batidos, por nós. Muito menos o cachorro-quente do Bigode, na galeria do Rosário, ou qualquer cheesburger mata-fome de quando bate a larica por coisas gordurosas e fritas, acompanhadas, é lógico, de um refri litro normal (que não é caloria zero).

Eu lembro que chegamos a comentar essa coisa de Dia dos Namorados junho aqui, fevereiro no resto do mundo. Invenção de publicitários. Oportunismo cínico. Afinal, qual santo seria o mais casamenteiro? São Valentim ou Santo Antônio? Não entramos nessa disputa. Os santos não nos oferecem dicas ou inspiração, tipo “vai lá é essa aí!” Seria falata de fé e oração?

Eu não te comprei presentes, nem uma flor sequer! Nem me destes aquela gravata bacana que, juntos, vimos em uma vitrine de shopping. Não éramos namorados. Bons amigos apenas sugerem coisas que te deixariam bem vestido. Despir então? Jamais! Sai pra lá, que tu é minha amiga, eu teu conselheiro. Assim, nunca provamos abraços daquele jeito que tonteia e deixa os sentidos em níveis de intolerável excitação e que nos tiram – em segundos – a razão.

Sempre dois animais racionais! Tu me relatavas se o namorado da vez era ousado, ou careta demais. Ou se esquecia datas importantes e ainda deixava as cuecas emboladas no banheiro. Até teu pai reparara, certa vez. Que mico! Eu falava das mania de mulheres solteiras ou descasadas com quem saía. Detalhes tão pequenos que, ao contrário da canção do Roberto Carlos, logo eram esquecidos.

Nunca fomos a Bahia, pagando tudo em 12 vezes no cartão. Não fizemos planos de subir a Torre Eiffel e lá, jurarmos amor eterno. Éramos parceiros de seminários, congressos. Dezenas de reuniões intermináveis, que formavam comissões, definiam grupos e perdiam o propósito meses depois.

Parceria mesmo era na hora da dor de corno. Tantas traições sofridas e confidenciadas? Muito menos do que as bolachas de chope que o garçom contabilizava a cada crise, é claro. Mas aliviávamos o sofrimento, montávamos planos fantásticos de vingança que, invariavelmente, evaporavam junto a ressaca no dia seguinte.

Quem ama não é rancoroso. Sofre calado. E amávamos demais! Tanto que selecionávamos muito. Selecionávamos ao extremo. Nem eram questões físicas, mas o caráter, a capacidade de doação. E essa coisa de seleção, no amor, é prima-irmã da solidão quando se exagera nas medidas definidas de nossos manequins amorosos.

A maioria de nossas paixões evaporava em pouco tempo em meio a névoa das mesmas desculpas vazias de quem nos abandonava. Aquela coisa tipo prêmio de consolação. Eu sou uma pessoa incrível, mas ainda não estavam prontos, blá, blá, blá!. Como alguém pode não estar pronto para alguém ou algo que jura ser muito bom. Então é ruim ser bom? Ah! Contradições. Deveria existir um Manual Criativo do Pé na Bunda!

É claro, voltávamos às confissões regadas a chope. Sem choro, porque o tempo nos levara ao habito do adeus. Era tanto pedido, de “vamos dar um tempo”, que os romances mais pareciam uma queda no vácuo. O certo é que estamos aqui outra vez. Eu e tu, minha amiga. Sabemos tanto um do outro, que até parece lógica a proposta que me apresentas hoje, de ficarmos juntos como namorados, só para avaliar se é possível uma tentativa de algo além desta bela amizade.

Até porque já estamos engordando – somo quase alcoolistas - de tanto chope com fritas. Eu topo a experiência. Se der certo, se somos tão bacanas quanto dizem nossos ex-amantas, vamos adiante. Ao surgir qualquer problema, retomamos a antiga condição de confidentes e voltamos ao boteco - não para discutir a relação - mas para reafirmarmos a condição de amigos acima de tudo.   Conhecemos cada detalhe, cada arapuca que montamos contra nós mesmos.

Até parece tese de  auto-ajuda: uma boa relação precisa de amor e amizade. Era o que diziam maridos e esposas naqueles casamentos à moda antiga e a gente achava conformismo. Seremos salvos pelo óbvio?  De qualquer maneira gostei de uma frase dela: “Vamos servir de cobaia às nossas próprias carências. Se saciarmos a fome de estima, já está bom”. Nada científico, mas muito sexy. O que já é um bom começo.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Sem medo do bicho papão




A banalização do crime afeta a juventude 
O assassinato de um funcionário da Escola Sion, na zona central de São Paulo, mesmo após ele ajoelhar-se, a pedir misericórdia, dentistas queimados vivos, por que não tinham muito a oferecer aos ladrões, ou simplesmente, por reagirem defensivamente. Crimes passionais, onde maridos doentes assassinam esposas diante dos próprios filhos. Tudo isso passará assim impunemente, ou nos habituaremos ao medo? Trabalhar, estudar, brincar, qualquer atividade é sinônimo de risco. E não nos abalamos mais?

Entre bandidos, surge uma nova geração de meninos e meninos maus. Entre os que não entraram no mundo marginal, percebemos meninos e meninas indiferentes, ou no mínimo, conformados. A Folha de São Paulo, publicou segunda-feira (3/6), a redação de uma adolescente de 12 anos, reveladora da banalização do crime que faz surgir uma geração sem o frio na barriga provocado pelo medo. “Quando estava na escola, o vigia mandou a gente se apressar (..), Eu não tinha entendido muito bem, então voltei para casa a pé,” escreve a menina que mora defronte a Escola Sion.

No meio do caminho, Bianca diz que ouviu falarem sobre um homem que morreu com tiro na cabeça. Outro “senhor foi seguido por um motoqueiro e morreu. (...) Mesmo com essa idade, já passei por três tiroteios. Um quando era pequena, no Rio de Janeiro. Outro no centro de São Paulo e o terceiro quando estava voltando do show do Roger Waters, no estádio do Morumbi,” anota em seu diário.

Ela diz não ter “muito medo de assaltos ou essas coisas, porque minha mãe só foi assaltada duas vezes e agora está bem.” Afinal foram “só” duas vezes! “E eu também acho que não vai ter dois assaltos no mesmo dia no meu bairro. Portanto, hoje andei com meu iPhone na mão, desobedecendo minha mãe.Algumas amigas minhas morrem de medo de assaltos e até já foram assaltadas, outras só têm medo de mendigos. Eu não tenho, pois a maioria é boazinha”.

Quando as crianças não tem mais medo do bicho papão, é porque a violência abraçou a fantasia e congelou  a consciência. Não podemos permitir um futuro assim, do cada um por si. Onde assistir um assassinato covarde, passa a ser lugar comum.

Enquanto não nos atingir, tudo bem. Tudo bem? Enquanto as pessoas escaparem, por um triz, a banalização pode ser norma cotidiana. É uma questão de sorte, até o dia em que a rotina aleatória nos  encontra e aí, na condição de vítima, será possível manter a frieza? De repente estamos tão próximos ao desapego à vida, que nem mesmo instintivamente reagiremos? Medo! Eu tenho muito medo deste momento!