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sexta-feira, 26 de março de 2010

Discurso para uma saudosa Porto Alegre


(Obrigado Cassanego)

O ator Paulo José, gaúcho de Lavras do Sul, é cidadão de Porto Alegre. Em seu discurso,  ao receber a honraria em dezembro de 1998, disse...

“Eu me lembro do meu primeiro encontro com Porto Alegre. A família vinha de Bagé, de carro, era noite. Eu cochilava no banco traseiro. Acordei quando entrávamos na Avenida Borges de Medeiros, ao lado da Avenida Praia de Belas, e aí eu vi imponente, monumental, maior do que a Igreja Nossa Senhora Auxiliadora e a de São Sebastião juntas, mais alto do que a Ponte Seca, mais bonito do que a casa do meu avô, o Viaduto Otávio Rocha. Depois, pela vida afora, vi outros espaços monumentais impressionantes: a Piazza San Marco, em Veneza, o Arco do Triunfo, o Coliseu de Roma, o Parlament House com o Big Ben, mas nenhum deles me fez o coração disparar como aquela visão dos meus oito anos. O Viaduto Otávio Rocha foi o meu primeiro alumbramento.

Eu me lembro que o Pão dos Pobres ficava nas margens do Guaíba, lá onde a cidade acabava. Eu me lembro que a lancheria das lojas Americanas era o ponto chique da cidade. Eu me lembro que tinha até banana split. Eu me lembro que eu sabia de cor todas as transversais da Avenida Independência, do Colégio Rosário à Praça Júlio de Castilhos: Rua Barros Cassal, Rua Thomaz Flores, Rua Garibaldi, Rua Santo Antônio, Rua João Telles. Eu me lembro da Pantaleão Teles, da Cabo Rocha, American Boite, Maipu, Gruta Azul. Eu me lembro do conjunto Norberto Baldauf, da Orquestra Espetáculo Cassino de Sevilha, do Conjunto Farroupilha, dos Quitandinha Serenaders: “Felicidade foi-se embora e a saudade no meu peito ainda chora...” Lembro da tristeza da minha mãe quando emprestei o violão do meu irmão para um baiano que estava passando uns tempos aqui em Porto Alegre. Eu me lembro que o meu violão nunca mais voltou e que o baiano se chamava João Gilberto.

Lembro do Hino Rosariense. Lembro que Maria Della Costa era garota da capa da revista O Globo, e tinha as pernas mais lindas do mundo. Lembro dos festivais Tom & Jerry nas manhãs de domingo no cinema Avenida, das matinês do Cinema Victória, dos cinemas Rex, Roxi, Imperial, Cacique. Lembro do mezanino do Cinema Cacique, que servia a última novidade em gelados, o Peach Melba. Lembro que todo o mundo detestava os filmes do Cecil B. de Mille, exceto o público.

Lembro que no abrigo dos bondes da Praça XV podia-se beber o caldo da salda de frutas, sem frutas, apenas seus vestígios. Aquela água era néctar dos deuses. Lembro do Vicente Rao, do Bataclan, do brique Ao Belchior, do Senhor Joaquim da Cunha, do Farolito e do China Gorda.

Lembro que pela margem direita eram o Javaí, Juruá, Purus, Madeira, Tapajós, Xingu, e pela esquerda o Japurá, Negro, Trombetas, Paru e Jarí. Eu me lembro que meus professores diziam que ensinamentos como esses seriam de grande utilidade para a vida. Lembro do irmão Ary, professor de Biologia, recusando-se a falar da teoria de Darwin: “Quem quiser que descenda do macaco, eu descendo de Adão e Eva”. lembro que ele nos preparava para o vestibular de Medicina. Eu lembro do Pervitin que a gente tomava para passar a noite estudando e tirava nota ruim no dia seguinte.

Lembro do rodouro metálico e seu jato gelado que fazia tudo girar. Lembro do Gin Fizz, do Hi-Fi, do Alexander, da mistura de Coca-Cola com cachaça que levava o nome apropriadíssimo de Samba em Berlim. Lembro do footing da Rua da Praia, onde a gente exibia a camisa volta-ao-mundo, de nylon, e que diziam que iria revolucionar o vestuário masculino. Lembro das calças de brim-coringa farwest.

Lembro que a deusa da minha rua era a Maria Thereza Goulart, que não era ainda Goulart. Ela morava no edifício Glória e recebia visitas misteriosas de um João, este, sim, Goulart, que era invejado por toda a garotada da Barros Cassal.

Eu me lembro do tempo em que futebol se jogava com goleiro, com dois beques, três na linha-média e cinco no ataque e que, em geral, faziam-se gols. Eu me lembro do time do Inter, imbatível, nos anos 50: La Paz, Florindo e Oreco, Paulinho, Salvador e Odorico, Luizinho, Bodinho, Larry e Canhotinho.

Eu me lembro de um tempo sem malícia, quando o estádio dos Eucaliptos torcia, gritando em coro: Co-Co-Colorado, Co-Co-Colorado, Co-Co-Colorado. Eu me lembro do Café Andradas, onde a gente ia matar aula e encontrava o Henrique Fuhro. O Abujamra, que anunciava tragicamente: “O homem é uma paixão inútil!...Mais um café, Macedo”.

Eu me lembro do Bar Matheus, na Praça da Alfândega, da Pavesa, do Treviso, da cadeira pendurada na parede, onde sentou Chico Viola. Da sopa, do mocotó levanta-defunto do mercado Público, do sanduíche-aberto do Bar Líder, daquela mostarda amarela do Galeto do Marreta e, por fim, do cachorro-quente da praça do Colégio Nossa Senhora do Rosário, sem favor nenhum, o melhor do mundo.

“O sabonete Cinta-Azul tem o prazer de apresentar um novo filme de caubói Bat Masterson, Bat Masterson”.
 “Phimatosan, quando você tossir, Phimatosan, se a tosse repetir”.
“Ela é linda, ah! É noiva, oh! Usa Ponds, Aaah!”.

Eu me lembro do desodorante para privadas Desodor, “Libera o ambiente dos odores estranhos”, do Detefon, do espiral Boa-Noite, da cera Parquetina, da creolina Cruswaldina, do formicida Tatu.

Eu me lembro que o Jeca Tatu tinha verminose, era pálido, maltrapilho, preguiçoso e roubado pelo patrão. E era um herói nacional... Eu me lembro das missas rezadas em latim, dos padres de batina e do seu indisfarçável sotaque da Colônia: “caríssimos irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo! Naquele tempo, vindo Jesus com os seus discípulos”...

Eu me lembro da Glostora, da Antisardina, “O segredo da beleza feminina”, Odorono, Cashmere Bouquet, “O aristocrata dos produtos femininos”, Lusoform Primo, poderoso desinfetante contra frieiras, pé-de-atleta, CC – cheiro de corpo, mau hálito e pós-barba.. Eu me lembro de um perfume da fábrica Colibri, Água de Cheiro Amor Gaúcho.

Eu me lembro de Ildo Meneghetti, o candidato invencível, e me lembro de sua quase absurda honestidade, quando declarou: “Meu maior erro foi ter derrotado Alberto Pasqualini, ele tinha um plano de governo e eu, não”.

Eu me lembro do dia 24 de agosto de 1954. A morte de Getúlio se alastrando pela cidade, incendiando a Rádio Farroupilha, empastelando o Diário de Notícias, destruindo a sede da UDN, depredando tudo que tivesse nome americano: o Consulado, as Lojas Americanas, até a American Boite...

Eu me lembro do P.F. Gastal, criador do Clube de Cinema e que me apresentou a alguns gênios da tela. Um deles, contava Gastal, se apresentou para uma plateia de apenas quatro pessoas, em Berlim, dizendo: “Sou ator de teatro, cinema, escrevo contos, programas de rádio, TV, dirijo filmes, peças, sou ventríloquo, ilusionista, mágico. Pena eu ser tantos e vocês tão poucos. Meu nome é Orson Welles”.

Eu me lembro do Teatro de Equipe, na General Vitorino, do Teatro de Belas Artes, na Senhor dos Passos, e da Confeitaria Atlântica, na Praça Dom Feliciano, ponto de encontro e desencontros dos artistas do Theatro São Pedro. Eu me lembro que nós, Luiz de Matos, Ivete Brandalise, Peréio, Nilda Maria, Mário de Almeida e tantos outros, trabalhávamos como diretores, cenógrafos, figurinistas, maquiadores, contra-regras. Eu me lembro que, às vezes, eu tinha a sensação de que éramos tantos e vocês tão poucos... Mas, eu me lembro que “qualquer prazer me diverte e qualquer china me interte!”

Eu me lembro que a Livraria do Globo era uma loja que vendia livros... Eu me lembro do Loxas, do Janjão, do Sunda... Mas, sobretudo, eu me lembro do Mário, aquele... Eu me lembro que: “Não adianta bater, que eu não deixo você entrar”.

Eu me lembro da Emulsão de Scott, do Calcigenol Irradiado, do Peitoral de Angico Pelotense, da Pomada Minâncora, das Pílulas de Vida do Dr. Ross, “fazem bem ao fígado de todos nós”, do Regulador Xavier, “vive melhor a mulher”, do Pó Pelotense, do vinho reconstituinte Silva Araújo, “V de Vida, R de resistente, S de saúde e A de alegria”. do rum Creosotado e dos reclames dos bondes da Carris: “Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem ao seu lado, e, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite, salvou-o o Rum Creosotado”.

Eu me lembro, sempre, de não confundir capitão-de-fragata, com cafetão-de-gravata. Eu me lembro que até os craques da locução confundiam “alhos com bugalhos”. Ernani Behs, a máxima voz da Rádio Farroupilha, uma noite anunciou, solenemente: “Transmitindo do alto do Viadeiro Borges de Meduto...”. Eu me lembro que “Bartolo tinha uma flauta, a flauta era do Bartolo, sua mãe sempre lhe dizia: toca a flauta meu Bartolo”. “Coelhinho, se eu fosse como tu, tirava a mão da boca e botava a mão no...”.

Eu me lembro que: “Até a pé nós iremos, para o que der e vier...”. Eu me lembro de que não foi exatamente a pé, mas atravessando o mundo, de avião, que o Grêmio conquistou o Campeonato Mundial de Clubes. Do show de bola do Renato, Mário Sérgio e demais heróis tricolores. “Até o Japão nós iremos, para o que der e vier, mas o certo é que nós estaremos.”

Eu me lembro que: “O pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa quando começa a pensar...”

Eu me lembro do Programa Maurício Sobrinho, do Clube do Guri e de uma caloura que diziam ser a nova Ângela Maria. Eu me lembro que ela morava na zona Norte e se chamava Elis Regina. Eu me lembro de uns versos:

“Elis, quando ela canta me lembra de um pássaro,
Mas não é um pássaro cantando,
Me lembra um pássaro voando”.

Eu me lembro de uns quintanares:

“Olho o mapa da cidade
como quem examinasse
A anatomia de um corpo
(É nem fosse o meu corpo).
Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...
Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes
Há tanta moça bonita
Nas rua que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)
Quando for, um dias desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade do meu andar
(Deste já longo andar!)
E talvez do meu repouso...”

Eu me lembro de que o Viaduto Otávio Rocha foi o meu primeiro alumbramento. Era guri de Lavras, chegando nesta Cidade Grande. Esta cidade que me acolheu. Nela cresci, me fiz homem, aprendi ofício. Devo isso tudo a Porto Alegre. Hoje realizo uma fantasia de adolescência: ser porto-alegrense. Hoje, eu sou um cidadão da cidade que tem o Viaduto Otávio Rocha, orgulhosamente.

Agradeço a homenagem que me emociona, me toca fundo no coração. Eu sempre lembrarei disso, sempre lembrarei, e me lembrarei.

Obrigado.” 
                                   

quinta-feira, 25 de março de 2010

Tiagão 30 anos!



Há exatos 30 anos, estava eu na sucursal da Caldas Junior em São Paulo, preparando matérias especiais para os cadernos de esporte do Correio do Povo, Folha da Tarde e Folha da Manhã, quando o Walter Gonçalves dos Santos liga para me dar uma boa notícia e, ao mesmo tempo, vir com uma conversa típica de editor apavorado com fechamento de edição. A boa notícia era o  nascimento do Tiago. Eu era pai! Mas como deveria seguir para Manaus, na Amazônia, perguntou se eu suportaria a ansiedade e conhecer meu primogênito “alguns dias depois”. Em estado de choque, em uma espécie de euforia instantânea, topei. Na Zona Franca iria comprar brinquedos importados para meu guri.

Outro jornalista e amigo, o Julio Sortica, também em Sampa, pela Zero Hora, sugeriu um jantar especial para brindar o nascimento do Tiago. E lá fomos para o melhor boteco do centro paulista onde jantamos um nada chique omelete de queijo acompanhado de cerveja bem gelada, em taças de champã! Cortesia do italiano dono do bar, “homenagem a teu rebento”, disse.

Dali fomos para o Príncipe Hotel, na avenida São João. Simples, barato e perfeito para uma diária de jornalista. Eu estava cansado após um dia inteiro de trabalho em Santos, acompanhando treinos na Vila Belmiro. Conseguira uma entrevista exclusiva com Pelé. Matérias de adianto para o final de semana e a cobertura diária. Sempre atento, pois naqueles dias, tomar um “furo” da concorrência era vergonha absoluta. 

Mas quem disse que eu dormi? Meu quarto dava fundos para o letreiro em néon de outro hotel – aquele onde ficavam as chacretes - , e de olhos bem abertos acompanhava as mudanças de cor das paredes pensando em como seria a vida do meu filho, se eu poderia ser um bom pai. Essas coisas.

Hoje o Tiago completa 30 anos. É um susto, uma alegria muito grande poder estar ainda por aqui para comemorar a maturidade do meu guri. Um grande cara, generoso, de temperamento forte e que se encaminha - no ritmo dele - para as realizações que eu sonhei acordado naquela madrugada insone. Embora trintão, o Tiago, ainda é alemãozinho manhoso do papi! Alto, fortão e com a cara do Arizinho aqui, pra não restar dúvidas de quem é o autor dessa obra fantástica.

Parabéns, filhão!

quarta-feira, 24 de março de 2010

Um mico na farmácia

Coisas que acontecem comigo... Pego a lista de compras na farmácia. Remédios para manter a pressão em dia, a tensão distante e controlar na medida do possível, os efeitos cruéis dos anos. Quase esquecia os fundamentais  preservativos quando perguntei para a disposta funcionária onde os encontraria: "Vou buscar para o senhor", respondeu a prestativa atendente.

Atravessou a farmácia para buscar meu pedido. Lá, no outro extremo, próximo a porta de saída, levantou a mão delicada com quase uma dezena de pacotinhos multicoloridos. "Qual o sabor o senhor prefere?", gritou. Só aos berros para se ouvir em um estabelecimento comercial, de portas escancaradas na rua da Praia. 

Todos clientes, assim, olharam para o constrangido cidadão que agora digita este post. Todos! Sabor? Mas não serei  eu a provar, pensei. "Qualquer um", respondi. Mas ela insistiu, "Tem morango, maracujá, uva e hortelã" e retornou ao balcão onde eu sofria um ataque forte e massivo de olhares curiosos. "Qual sabor ele escolherá?" 

Não satisfeita, a moça me puxa de uma gaveta um frasco enorme de coloridas pílulas vermelhas e começa um discurso exaustivo sobre reposição de vitaminas. Será que imaginou que eu não suportaria a atividade a qual se destina o uso daquelas borrachinhas cheirosas? Irritado, agradeci a atenção e disse que estava com pressa. Não, eu não queria vitaminas! "Onde fica o caixa?, perguntei já separando o dinheiro. 

Se alguém pretender saber qual sabor escolhi não vai levar. Um mico por dia é o suficiente.   

quarta-feira, 17 de março de 2010

Prazer sem culpa para todas!

“As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”, escreveu um dia Vinícius de Moraes. Mas a qual beleza referia-se o sensível poetinha? Seria a mesma citada pelo genial Fernando Pessoa, ao afirmar que beleza é o nome que damos as coisas em troca do agrado que estas nos oferecem? Desse jeito, o encantamento meramente carnal muito pouco significaria. Afinal é perecível. Então por que insistimos tanto e valorizamos o conceito de belo que os modismos impõe? O que acontece quando a natureza não favorece a mulher com a plasticidade das top-models anoréxicas? Mais delicada ainda a situação daquelas que chegam à maturidade em constante briga com a balança. Trocaram a auto-estima por quilos de guloseimas e ansiedade. É mais ou menos assim que uma amiga minha, a Joana, enfrenta a condição de gordinha solitária. Quando arrisca sair do isolamento vive situações, no mínimo, hilárias. 


Dia desses, depois de alguns chopes, Jô relaxou a guarda e aceitou a sedutora proposta de uma madrugada sexy à dois em um bom motel. Quando se deu conta, seu príncipe saía de uma ducha enrolado em uma reveladora toalha branca. Nesse exato instante, caiu-lhe a ficha do medo. Sentia-se deslocada, uma matrona gorda e sem charme diante de um provável candidato a deus grego. O mais assustador é que não poderia voltar atrás. Desesperada enrolou-se no lençol e correu para a banheira de espumas. Ainda coberta pelo improvisado casulo de panos, foi mergulhando vagarosamente na água morna até submergir sem revelar um único pedaço do corpo fofo. Depois do relaxante banho de sais aromáticos, repetiu a intrincada operação em sua improvisada burca. Sentia-se um charutinho de repolho, uma baleia empanada, algo assim, ridículo e que certamente, esfriaria os ânimos de seu parceiro. E isso era tudo que não queria naquele momento delicado. 


Para não ser surpreendida em sua nudez, dirigiu-se quase rastejando até a cama redonda onde ele a aguardava deitado, impávido colosso. Não sabia o que fazer para não ser vista totalmente. Assim, escudada pelo colchão, ajoelhada aos pés da cama, iniciou uma série de carinhos improvisados a partir das pernas dele que, embora sem entender o que ela pretendia, deliciava-se com o estilo misterioso e fugidio. Ao perceber que o amado estava no ponto, saltou sobre ele com todo seu peso, permitindo-lhe apenas os movimentos do desejo. Foi uma espécie de batalha a meia luz, onde cegava o amante com beijos e afagos. Ocultava assim, tudo o que desprezava em seu corpo.


Pobre Joana. Enquanto relatava sua aventura, eu lembrava do filme “Garotas de Calendário”, do diretor inglês Nigel Cage. Baseado em fatos reais sobre as senhoras que, embora longe de qualquer padrão estético moderno, decidiram posar nuas para um calendário. E deram um verdadeiro banho de sensualidade e espontaneidade. Para que enrolar-se em lençóis, fugir em meio a espuma de uma hidromassagem ou pior, apagar todas as luzes nos momentos amorosos? Não existe um único formato para a beleza. Nem esta morre com a idade ou porque se é muito gordo, ou muito magro. A Jô estava tão preocupada em não afugentar seu parceiro que esqueceu a glória de superar medos e insegurança assumindo-se como é. 


Ela repetiu a dose com o mesmo namorado e, com certeza, não conseguiu esconder-se mais. Mas o medo de fracassar, de não sentir-se desejada ainda a mantém em um indesejável celibato. Justo na fase mais madura de sua vida. Ou seja, quando poderia idealizar fantasias sapecas sem receio de ofender ou desagradar ninguém. Simplesmente permitir-se um merecido êxtase. Uma, duas ou dezenas de vezes. Quem sabe, tudo isso em uma noite apenas. Porque não?

segunda-feira, 15 de março de 2010

Metamorfose: o bife virou barata!


Lá nos idos dos anos 70, Porto Alegre não tinha MacDonalds. Os lanches se dividiam em meia dúzia de lugares – o cachorro-quente do Passaporte, no Bonfim, o baurú do Trianon, na Protásio Alves e uma dezena de trailers de chessburgers com receitas que arrepiariam qualquer nutricionista. Toneladas de entulhos gordurosos pães e bifes fartamente untados com margarina e maionese. Tudo isso, muito bem prensado para facilitar o ingresso no sistema digestivo. Higiene era um detalhe que a gente não questionava muito.
Eu pessoalmente gostava do “x bastantão” do primeiro Mac de Porto Alegre: o Mac Dinhos. Era semelhante a toda concorrência, mas servido em porções maiores e variações com pernil, lombinho e frango. Tinha uma clientela fiel. Com preços módicos, acalmava a fome.  Saciado, o estômago pesava uma tonelada e o sangue nas artérias imitava um composto oleoso que somente meus 20 e poucos anos poderia suportar. Ao redor, tudo quase limpo. O cheiro forte da chapa, ovos e bacon fritos disfarçavam outros odores. A digestão eu fazia no caminho de volta para casa. A pé, na madruga. Eram tempos menos violentos na Capital.
Todo esse nariz de cera é para comentar que o mesmo MacDinhos, agora virou restaurante. Tem lanches,  pizzas e até karaokê para os que gostam de cantar com a boca cheia, o que não o livrou de ser punido pelo Tribunal de Justiça  por vender comida com barata grelhada. Em um simples e puro prato de feijão com arroz! Nunca conferi o que havia dentro dos meus sebosos lanches. A coisa mais crocante que eu mordia era a batalha palha (eu acho), ou talos de alface que não haviam cozido durante o massacre da prensa. De qualquer forma, porcaria por porcaria, aqueles hambúrgueres eram quase tão ameaçadores quando o inseto nojento que repousara na comida da cliente.
O garçom tirou o prato rapinho. Quem sabe não tentariam justificar ao juiz que o bife metamorforseara-se à moda Kafkaem barata mal-passada. Algo assim como eu, que de tanto “x bastantão” me transformei em um batráquio gordo. Bem feito! A multa que levaram ainda é pouco diante do que já paguei em dietas. 

quarta-feira, 10 de março de 2010

Às mulheres de qualquer dia


Nós, bons colegas de trabalho, bons maridos e, na medida do possível, amantes apaixonados, pagaremos sempre pelos maus exemplos. Sim, o lado bom da força masculina, luta contra os próprios preconceitos e se esforça. Não apenas abre a porta do carro para elas, mas escancara as possibilidades para que possam crescer como mulheres independentes e realizadas.

Nem queremos muito em troca. Um reconhecimento de vez em quando, o carinho ou um olhar agradecido, não por ser o macho libertador, mas simplesmente um homem do tipo que reconhece suas próprias limitações, mas guarda em si, infinita disposição para aprender e melhorar.

O que ganhamos em troca? Satisfação pessoal seria suficiente. Especialmente quando você é um profissional que valoriza a atuação das colegas femininas, aceita ser comandado por mulheres. Em casa, sabe dividir obrigações. É parceiro. Duro sem perder a ternura. Mas aí, a humanidade machista - porca chauvinista como diziam nos anos 70, escreve uma triste história de abusos e opressão, subjuga a mulher e dificulta sua libertação. Especialmente em países pobres, onde sofrem humilhações a partir do lar e acabam escravas como se o gênero feminino fosse sinônimo do pior. 

Foram homens com altos teores de culpa que decidiram apoiar o Dia Internacional da Mulher. Politicamente corretos, muitos deles, não passam de interesseiros, cínicos com maquiagem pesada (ui). Nete dia especial, o planeta assiste a um derrame de flores, perfumes, elogios e discursos recheados em lugares comuns. Políticos e empresários se derramam em projetos bacanas em nome da mulher. Gestos elogiáveis, mas óbvios. Todos querem demonstrar apoio a luta feminina. E o comércio, liderado agora também por mulheres, passa a lucrar com a data. Ai! Esquecer datas é uma das falhas do caráter masculino. 

Tem homem ouvindo reclamação tipo: “Hoje é o Dia da Mulher e tu nem lembrou...” Uma das moças que vende lanches onde trabalho indignou-se porque o namorado lhe presenteara com um kit de roupa íntima. Vocês vão dizer que é o macho a moda antiga tratando a fêmea como objeto. Mas não foi isso o que irritou a guria. Na verdade ela esperava um presente melhor. Queria uma jóia! “Eu mereço”, garantiu, enquanto o cara lhe apresentava calcinhas rendadas (que custaram uma fortuna, descobriu depois). Deixa prá lá que esse papo de mulher objeto é outra pauta.

O que estamos vendo são maridos, namorados, chefes ou subordinados de mulheres a correr às lojas em uma espécie de celebração de um novo Dia dos Namorados Engajados ou Dia da Fêmea Trabalhadora. A luta da mulher por igualdade virou um produto a ser vendido. A maioria delas adora, eu sei. No fundo sabem, é mais um dever para o macho da espécie. Outra conta a pagar por séculos de tortura. 

Não basta a libertação, é preciso o tapete vermelho para atingir o rumo da glória. Lísia, minha filha, disse que eu não posso reclamar, porque afinal de contas, as mulheres enfrentam muito mais dores, muito mais cólicas. Nós homens, só temos que aturar a humor instável feminino, acentuado é claro, "naqueles dias". Mas aturar cara feia, eu reconheço, é um dever de machos e fêmeas. Porque todos temos nossos destemperos. E conheço muito homem-mala. Sabe como é, pavio curto em homem é traumático.  

Machos sensíveis! Trabalhem todos os dias da semana pela valorização feminina. Igualdade agora! É a única maneira de interrompermos o ciclos dos discursos iguais, das citações bregas e pseudo-feministas a cada oito de março. Chega de botões de rosas murchas no escritório, entregues por office boys suados. Vamos dar um basta aos apertos de mãos e abraços divididos entre o desinteresse e o cinismo. 

Vamos eleger o 8 de Março como Dia Internacional da Queima Total das grandes grifes da moda feminina. Que tal? Ótimo para elas, e para nós que, com ou sem data especial, precisamos manter aqueles corações femininos convencidos de que são o centro de nossa existência. O resto, eu sei, é periférico. Mas um periférico pra lá de gostoso. Delícia!

quarta-feira, 3 de março de 2010

Traição, baixo Q.I. ou fantasia?

Sentou próximo a um grupo de senhoras que tomavam chá com torta. A confeitaria com seus aromas doces, a música leve e o ar-condicionado o libertavam do desconforto úmido de uma típica tarde quente na capital gaúcha. O tagarelar animado de suas vizinhas de mesa colocavam um ponto e virgula nas atribulações pelas quais passara desde que amanhecera. Primeiro a falta de fundos do cheque assinado por seu maior cliente, depois a discussão sem sentido com a esposa que não aceitava esperar mais um dia para juntos, irem ao supermercado. “Está faltando tudo em casa!” esbravejara a mulher.

Ele sentia-se uma espécie de fugitivo, tentando escapar das broncas domésticas em um lugar tão mimoso. Ainda por cima, deleitava-se com a futilidade da conversa alheia. “A Itália continua linda e desorganizada”, afirmava a mais velha da turma. “Mas os homens... Estes são o maior trunfo daquele país”, acrescentava outra, entre olhos maliciosos. “Que teu marido não saiba”, envenenou uma terceira. “Não te preocupa, eu viajo sempre sozinha. Pra que levar sanduíche, quanto tenho pratos mais gostosos para provar lá...” Gargalharam juntas, indiferentes as pessoas a sua volta.

 “Cada qual com seus problemas”, pensou enquanto escolhia alguma coisa para comer. A fofoca alheia lhe abrira o apetite, desviara a atenção de seus próprios problemas para um outro mundo, muito distante do seu, onde dizem que homens traem mais. E pior, tem baixo Q.I. E as mulheres que pulam cerca? Elas seguiam em inconfidências. Relatos de temporadas gloriosas na Europa, Ásia, queixas contra a paranóia norte-americana que as afastara de Nova Iorque. “Tenho lá eu cara de terrorista?” inquiriu uma. “Botóx não é explosivo. Você jamais será barrada em aeroportos, querida ”, brincou maldosamente outra.

De repente, a mais quieta da turma faz ares de mistério e diz: “Vocês sabem o que fez uma amiga? Primeiro seduziu um colega de aula, do tipo carente, baixa estima e conta bancária em alta. O cara acabou caído por ela. Casada, faz tudo na maior discrição. Ela é decoradora, mas vocês sabem que hoje em dia qualquer uma se diz designer e acaba inflacionando um mercado já pequeno. É o caso desta amiga. O quadro piora porque seu marido anda com problemas financeiros. Negócios em baixa. Uma tragédia. Para manter o padrão, ela assegurou esse amor novo. Às vezes o arrasta até o mercado e ele paga a conta. A danada enche o carrinho com vinhos importados, especiarias e até as lâminas de barbear do marido. O que vocês acham disso?”

Antes de ouvir o veredicto da senhoras, nosso amigo pagou a conta e tomou o rumo de casa. Ao chegar não encontrou a esposa. Na mesa da cozinha, um bilhete: “Fui levar nossas filhas na avó que está com saudades. Mas para te poupar, já fiz as compras. Não te preocupa não gastei muito meu único excesso foi contigo: comprei aquele Malbec argentino que tanto gostas. Vamos bebê-lo juntos e fazer as pazes. OBS: Também te comprei um aparelho de gilete novo. Assim teu rosto fica macio como eu gosto. Um beijo!” Em qualquer outro momento, adoraria tanta disposição para reatar em plena crise. Mas depois daquela tarde...

Quando a esposa chegou, ele estava virado em um zumbi pálido diante da tevê. No íntimo queria sumir dali, xingar, expulsar o vendaval que lhe atormentava a alma. Mas sentia-se impotente e atônito. Um diminuto personagem de fofoca. Mas fazer o que? Dizer o que? Encurralado, decidiu freqüentar cafeterias, só a distância das línguas venenosas. E o rancho da família, a partir de agora seria sempre feito a dois, “Afinal, essas coisas chatas temos de dividir”, justificou. A mulher achou melhor não contrariar. “A gente fala sobre isso depois” e correu para a cozinha onde duas taças aguardavam um brinde. “Não falta uma?” pensou em provocar, desconfiado. Mas optou por recriminar a maldade alheia que lhe envenenara.

Afinal, uma ilusão oportuna dói menos!