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sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Finais felizes

“Meus olhos te viram triste olhando pro infinito, tentando ouvir o som do próprio grito e o louco que ainda me resta, só quis te levar pra festa. Você me amou de um jeito tão aflito que eu queria poder te dizer sem palavras, eu queria poder te cantar sem canções” (Esperando aviões, Vander Lee).  

A menina, tão jovem, chorava um adeus na Rodoviária de Porto Alegre. Eu que não tinha nada a ver com aquele pranto, era um senhor, literalmente de passagem que apenas observava, sem poder oferecer colo. Com fones no ouvido, ela mirava o portão por onde saem os ônibus, talvez a espera de ver quem a abandonara a saltar do veículo em movimento e aconchegar-se em seus braços. Cena de filme. 

Mas daquela vez a vida não imitou a arte e lhe restaram as lágrimas, o meu solidário olhar e um matraquear incessante da amiga que a acompanhava. “Ele te ama, só está magoado. Vai voltar de joelhos”. Os homens são mesmo assim, eles podem errar, nós nunca!” Ora, ora, o tempo já me ensinou que toda dor de amor tem cura e o traído perdoa, mas não cura jamais a cicatriz. Melhor que tenha partido. Fica a lição. Se quiser uma aventura, o faça com talento, não deixe furos que os danos serão irreversíveis. 

Ela tinha flores na mão e um DVD do Vander Lee (que faleceu aos 50 anos, em agosto desse ano) e por isso abri com a canção de letra poética que sonha com o cheiro do amante a morar em seus pulmões. Mas a poesia é um espinho atravessado nos erros, nas trilhas do desejo incontido, nas aventuras que alimentam a estima baixa. 

Eu tantas vezes em luta contra esses sentimentos, essas travessuras da razão, percebo que o passar dos anos me asseguram maior controle, mas uma dificuldade imensa de aceitar situações como esta. Não é por ser homem, como disse a amiga, é em função da alegria extrema e única de sentir-se em uma concha indivisível de afeto.

Ao retornar para casa, me transportei para um assento qualquer de ônibus, onde um jovem namorado, marido, amante, p arte carregando sua mala de certezas tristes, de mágoas inesperadas e de uma dor que só se cura, com certeza, com um novo amor. E que desta vez, pensa, será do seu jeito, total, único. 

Eu sei é um tema pueril, repetitivo em dias de tanta violência e crise. Mas aquele choro, em um rosto tão jovem, tão bonito, enterneceu meu velho mas nunca, empedernido coração. Acredito, sim, em finais felizes.    

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Como nossos pais

Diariamente milhares de crianças desaparecem feito espumas de sabão em nosso país. Mulheres sofrem com estupros físicos e morais, homens são humilhados por outros homens, nos mais diversos espaços. A vida segue assim, um ritmo acelerado, onde a maioria é escrava de sua própria rede social, de conceitos digitados e nunca, ou raramente aplicados na vida real. Enquanto isso, a marginalidade invade todos os espaços em nome de uma fé, de uma ideologia ou de uma alienação oportunista. É o Brasil moderno, gigante acéfalo, aos trancos.

Precisamos trabalhar, cuidar da família e o suor e a energia gasta com tanto esforço, aparentemente resume-se apenas a esforços braçais, a um vale-tudo que não envolve, por exemplo, a cultura da solidariedade, de um senso ético mais refinado. Eu sinto que nos isolamos e vamos atrás de pautas prontas, temas aparentemente difíceis, mas de respostas fáceis. Estupro? Violência atroz. Prendamos todos os responsáveis. Mas o que sugerimos para combater esse crime. E tantos outros? Encerro a semana cansado de tanta solução instantânea para questões históricas.

Lamento a educação andar tão por baixo. Teríamos respostas sempre ponderadas. O que anda por cima, afinal? Melhor não responder. Filtro tudo o que ouço ou leio. E não bebo para esquecer. Afinal, dezenas de lideranças, mestres que admirei, estão em casa, contando o vil metal, pretensamente guardado por Deus, conforme cantou Belchior, u
m raro menestrel engolido pela loucura cotidiana. Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais?

Quando vejo a juventude a levantar símbolos falidos, me parece que tudo é apenas uma repetição enfadonha. Os mesmos protestos, os discursos alinhados em ideologias que pouco nos trouxeram de benefícios. Não quero deixar a existência como um dos que perdeu-se na descrença. As crianças continuarão a sumir, perdidos nestes vácuos de prazer, sejam nascidos em berços esplêndidos ou na mais profunda miséria.

A compaixão continuará uma virtude de fracos, caso não façamos nada. Quantos terão de qualquer maneira, o carro de última geração ou a vacina que salvará a vida, sem que seja necessário acabar com o vírus, eliminar a fonte que o recria mil vezes. Tudo pode ser melhor, mais equilibrado, desde que aceitemos o moderno como a evolução do que preservamos e nos permitiu crescer como um todo.

Educação não é nada, sem apego a condição humana em sua essência, aos princípios básicos de respeito às semelhanças e dissemelhanças. Nunca, em nenhum momento, perder o senso crítico que cimenta o verdadeiro conhecimento, aquele que vai muito além das redes sociais, dos acordos embriagados de botecos, das certezas de uma geração contraditória e egoísta.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Bela, recatada e do lar

Minha mãe era tudo isso. Qual o problema?
Como não poderia deixar de ser, debaixo de toda crise sempre pode haver uma polêmica de costumes. A revista Veja nos cedeu oportunidade para um novo debate a respeito da condição feminina e o poder, justo quando uma mulher, a primeira presidente (a), está com o cargo à perigo. “Bela, recatada e ‘do lar,” é o título da reportagem sobre Marcela, a linda e jovem esposa do vice-presidente Michel Temer (PMDB) que, dependendo do que o Senado decidir, será a futura primeira dama dos brasileiros.

Da presidenta Dilma Bolada à primeira dama Marcela do lar! As redes sociais, ávidas por extremismos digitais exibem centenas de comentários e memes onde retratam mulheres ofendidas com o texto da revista e de, outras, uma minoria, indiferentes ou que defendem a condição da moça. Não será a esposa de político que mudará os rumos da nação. Marcela seguirá como pálida personagem na insólita cena política brasileira.

E se é do lar, que bom para ela. Qual o problema? Eu sou filho de uma mulher que cuidou da casa a vida inteira, muito bonita e recatada. Nada a diminuiu por isso. Hoje as mulheres podem realizar outros sonhos. A presidente Dilma Rousseff que luta por manter-se no cargo tem um perfil diferente. Atua no mundo que antes era dominado exclusivamente por homens, mas que já abriu espaços para tantas outras em todo o mundo.

Vejam Hillary Clinton, que nunca foi sombra de seu marido presidente e ainda segurou uma barra quando o maridão aproveitou-se do pouco recato de uma estagiária. Minha amiga Fabiane Tomazi Borba, competente advogada, mulher pública, adjunta no comando da Secretaria Especial dos Direitos Animais, questiona o preconceito embutido nos comentários de muitos de seus amigos no Facebook, que paradoxalmente defendem o direito de cada um ser “e fazer o que quiser, onde quiser”, e no caso de Marcela Temer, acreditarem ser ofensivo considerá-la “bela, recatada e do lar”.

Fabiane diz que também não entenderia se a crítica fosse ao contrário, ou seja, contra qualquer pessoa, defenestrada por ser feia, pouco recatada, totalmente sem pudor, mal ou bem vestida, trabalhasse fora, dobrasse o turno e ainda estudasse à noite, além de cuidar da casa e dos filhos. “Afinal, cada um tem direito de ser aquilo que quiser! Não é isso que todos pregam? Ao menos aqui nas redes sociais, é!” alertou.

Está certíssimo. Se falta recato, é no universo político por onde anda seu ilustre esposo. Lá, belos e feios, fazem tudo em nome do poder. Permanecer em casa, sob certo aspecto, a protege das negociatas, das atrocidades que levam o bem comum ao caos. E vivam as mulheres de bem com o lar, de bem com o trabalho, de bem com a vida. O resto é guerrilha de rede social. Pífia!