Pesquisar este blog

quinta-feira, 31 de julho de 2014

A felicidade pedalada

A felicidade passeia em uma bicicleta de pneus gastos e aros desalinhados. Mas está lá, risonha, firme no velho selim de molas que range a cada solavanco. É tudo uma questão de equilíbrio, mas cair, esfolar-se, faz parte. Sempre haverá alguém a estender a mão. Nas esquinas, nas ruas movimentadas, a felicidade quase sufoca ao circular entre gente em quatro rodas e trilhas para todo tipo de ir e vir,  menos o dos que pretendem conduzir a existência com um mínimo de cuidado e atenção à paisagem.

Um bom ciclista não se deixa abater. Encara a subida mais íngreme e, na descida, vai atento aos freios para não despencar perigosamente. Às vezes a natureza torna tudo ainda mais arriscado, quase impossível. Muita chuva, muito vento, muita tempestade. E a tal felicidade passa a andar a pé, descalça no solo hostil, ou na carona dos que trocam a luta, o sorriso sempre reconfortante por compromissos falsamente urgentes e que nunca miram as consequências.

Quem se atreve a garantir que felicidade troca sua bike por uma vida em palácios, confunde riqueza com nobreza. Esta, raramente está na pompa de circunstâncias torpes, tão frequentes em  grandes impérios. Estes, encastelados em suas cortes, minguam na solidão de seu ilusório poder. Por isso, a felicidade prefere a simplicidade, jamais a simplificação megalômana.

É preciso estar sempre pronto para longas e penosas pedaladas. Buscar o dia perfeito no interior daquela manhã iniciada às avessas. Deu tudo errado? O tombo foi grande e entortou os raios das rodas? Saiba que os desencontros, as intempéries mais devastadoras sempre serão mais breves do que os tempos de céu claro e brisa leve. As peças quebradas substituímos, a felicidade também brota na reconstrução.

Ficar sentado à beira do caminho, como cantava Erasmo Carlos é que não resolve. “Olho pra mim mesmo, me procuro, e não encontro nada. Sou um pobre resto de esperança à beira de uma estrada”, choram os versos, salvos pelo refrão: “preciso acabar logo com isso. Preciso lembrar que eu existo”.

O argentino Fito Paez seguiu a mesma metáfora: “gosto de estar ao lado do caminho, Tragando a fumaça enquanto tudo passa. Eu gosto de abrir os olhos e estar vivo, ter de me entender com a ressaca (...) “viver atormentado de sentido, esta sim, é a parte mais pesada”. Por favor, não vivamos atormentados de sentido.Façamos tudo ter um foco, uma direção.

Aos que se veem diante de um precipício, por favor!  A vista é sempre assustadoramente bela diante do penhasco. Aproveite-a para enxergar longe, além das frustrações e perceber, lá na planície, a trilha que leva a um novo destino. Quem disse que não se pode traçar o próprio destino? O cansaço, a dor  e o medo serão apenas percalços desviados em pedaladas firmes. E a rotina, a partir daí, será não ter rotina.