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domingo, 26 de fevereiro de 2012

Depois das férias, engarrafados na urbe

Eu sei o que vou encontrar amanhã, segunda-feira. 27. bem cedo. Todos voltaram das férias no litoral, na serra. Estão estressados, sem paciência para o engarrafamento no caminho do trabalho, da escola das crianças ou da academia de ginástica. A vida retorna a rotina dos túneis com semáforos, das vias de acesso livre bloqueados, como a pista da saída da Castelo Branco para a Mauá, em Porto Alegre.

Estacionar, nem pensar. Ou paga-se as fortunas cobradas pelos E-parks locais, ou se enfrenta os riscos de girar, girar e girar nas quadras lotadas da cidade. Castigo! Eu aqui, sem férias, no limite da tolerância com esse cotidiano poluído e tenso. Mas tudo voa, depois de segunda, as outras feiras disparam até o sábado e domingo. Pausa. Plantões, quem sabe, mas redução no sufoco urbano. E assim vai, até nos acostumarmos a rotina. Ou não, quem sabe.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Eu, machista?

Bastou disponibilizar a crônica pré-carnaval no blog, para uma prima de uma prima de uma amiga minha, dizer que eu ousara ser, mais uma vez, machista ao citar a “escapada” de uma mulher e não de homens que são, de acordo com ela, a “grande maioria dos que traem”, ou seja, estava decepcionada comigo. “Tu que sempre defendeu as mulheres agora costuma criticar as mulheres”. Ora, vejam isso: eu não estava a criticar esposas, noivas ou namoradas. Comentava a “folga” que muitos se permitem – independente de sexo – durante esse período de ode às carnes enfeitadas, seminuas e alcoolizadas. Não me postava feito um severo pregador. Quem sou eu? Apenas defendia o privilégio de conseguir encontrar alguns momentos de felicidade sem excessos e com a parceria amorosa (deve ter amor sim) do dia a dia.


Mas muitos passam um ano inteiro fantasiados de bons pastores. Exemplos de vida. E nas sombras de uma folia quaisquer aproveitam para liberar as feras enjauladas da insatisfação. Peço perdão aos que consideram este veterano escriba machista. Não é nada disso. O ano vai iniciar de verdade nos próximos dias. Aproveito para recomendar a essa prima distante, minha cara leitora no blog e moradora de Santa Maria, que perceba o equilíbrio cada vez mais significativo entre homens e mulheres. Para o bem e para o mal. Que as mulheres não repitam o mal provocado e aceito culturalmente em tantos anos de dominação.


Eu continuarei a provocar. A buscar histórias curiosas no cotidiano das pessoas, porque é isso que move o mundo, que dá sentido à pesquisa científica, que estimula os gênios a produzirem novas soluções para a humanidade. É a saudável competição entre os sexos que torna a vida menos maçante em sua curta passagem terrena. Por trás de um grande homem e de uma grande mulher, existe sempre uma grande responsabilidade. Amor sem restrições, ou restringir o desamor, a inveja e a intolerância.


Eu sei, ficou meio chato, meio pesado esse texto. Mas é a ressaca de quarta-feira de cinzas. É como um sermão perdido em um samba enredo: acaba como uma metáfora à vida como ela realmente é: louca, sempre com um sentido a ser descoberto mas decididamente, maravilhosa.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Folia, beijos suados e uma andorinha

Água e sombra fresca na folia
Nunca gostei de baile de carnaval. Aquele suador, o pessoal pulando, caindo de bêbado e gritando as letras mais estapafúrdias que se poderia ouvir. Meu negócio era rock e bossa-nova. E nas rádios, só marchinha. Porque sou do tempo em que se compunha música de carnaval. E aí, o Allah-La-Ô substituía o Iê-Iê-Iê. Era um tal de “olha a cabeleira do Zezé, será que ele é…” Eu, cabeludo, não era e tinha de aguentar as piadas sem graças dos mais velhos ou carecas caretas.

Desfile de rua ainda me agradava, ensaio de escola de samba, mais ainda. Ali estava a essência! A magia do ritmo e, para um adolescente, a ginga sensual das mais lindas mulheres da face da terra. Foi nessa época, lá no início dos anos 70 que meu pai me presenteou – todo contente – convites para o baile em um tradicional clube de Porto Alegre. Com dinheiro contado, nenhuma possibilidade de fugir para uma praia qualquer e acabei aceitando, muito a contragosto.

De repente lá, estava eu, hidratado a água mineral e refrigerante assistindo aos doidos, ao som de uma banda mais doida ainda. Tudo mudou quando percebi que na terceira volta daquela dança quase hipnótica, em círculos, percebi uma loirinha de olhos claros em uma minissaia colorida. Aliás, ela me percebera antes e assim, na quarta volta me aliei à turma de foliões. Era carnaval, ora. E de mãos dadas com a menina, vivi um memorável carnaval. Sem nenhum álcool, beliscando batatas-fritas e muito bem-acompanhado. Vivi meu momento arlequim, graças a um baile de carnaval.

Não voltei aos salões que nos anos 80 viraram sacanagem pura. Preferia mil vezes acompanhar os mais humildes desfiles de rua, ou fugir para um sítio do que a lambança quase selvagem dos clubes. Minha colombina, amor de carnaval, se desmanchara no confete do cotidiano, deixando uma saudade gostosa de beijos e carinhos urgentes, suados. Como dizia a marchinha “se a canoa furou, deixa virar,” foi por causa de alguém que não soube remar. E tomar “todas”, não vai apagar o que afoga a alegria nas águas da insatisfação.

Fugir de casa e voltar na quarta-feira de cinzas, pior ainda. O que é ruim piora. Certa vez, uma amiga, com um casamento, certamente monótono de sete anos aproveitou que o marido estava no exterior e caiu na folia. Aprontou e voltou para casa cheia de culpas. Pior, bêbada, entregara cartão com endereço e telefone para o estranho com quem pulara uma noite inteira. É claro que deu problemas. O casamento já não estava lá grande coisa, acabou sem bandeira branca e ela, com a imagem enxovalhada da “mulher casada, que fica sozinha. É andorinha, sim, é andorinha”, profética marchinha dos velhos tempos.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Coragem, meu cão covarde

Coragem, vítima dos maus tratos

9 de fevereiro de 2012 às 15h25
“Perto daqui estão depositados
os despojos daquele que possuía
Beleza sem Vaidade,
Força sem Insolência, 
Coragem sem Ferocidade 
E todas as virtudes do Homem sem seus Vícios.” 
(Homenagem de Lord Byron a seu cão Boatswain)

Coragem era um cachorrinho sem linhagem, mas simpático. Chegou lá em casa, literalmente, de rabo entre as pernas, querendo amizade com Max, o pastor alemão que teoricamente deveria cuidar da casa. Descobri que tinha até um dono na vizinhança. Eu o mandava para casa, ele se escondia nas macegas e, lá pelas tantas, estava de volta. Meu velho cão sofria com uma artrite crônica. Coragem o obrigava a se movimentar. Juntos, azaravam as cadelinhas da vizinhança e no tempo restante, se ocupavam com coisas típicas dos cachorros, como latir para toda roda de automóvel que ousasse desafiá-los na rua.

Eu o apelidei de Coragem porque lembrava o cachorrinho do desenho do Cartoon Network, que morria de medo das aparições e fantasmas que assombravam a casa de seus donos – o mal-humorado Eustácio Bagge e sua esposa Muriel. O Coragem lá de casa também tinha seus fantasmas e assombrações. Lembro que para eu me aproximar e conquistar sua confiança, foi um verdadeiro exercício de paciência. Mesmo liberando ração, ele sempre me olhava com desconfiança. Era amigo do Max e ponto final.

Mais tarde, aprendi que ele só temia gente. Caso entrasse qualquer outro bicho lá em casa, fosse cavalo, vaca ou mesmo cães maiores, ele não se mixava. Rosnava com cara de poucos amigos, defendendo o espaço que adotara. Nessas horas fazia justiça ao apelido irônico e transformava-se em cãozinho muito valente. Um vizinho me alertou que Coragem sofria maus-tratos de seus verdadeiros donos e, com certeza, por isso optara pela vida na rua. E minha casa, que não tinha cerca,  era seu abrigo e refeitório, é claro.

Aos poucos aprendi a lidar com o Coragem. Ficamos amigos. Respeitávamos nossos limites e fobias. Quando ele queria alguma coisa, não latia, mas grunhia com sons estranhamente roucos que, juro por Deus, se assemelhavam a uma tentativa de conversa. E foi assim, ouvindo as lamúrias do Coragem que consegui lhe fazer um primeiro cafuné.

Desacostumado com qualquer tipo de carinho, o bicho não sabia o que fazer depois do afago. Nunca vi tantas caretas em um cão. Mais parecia um mico de circo. Coragem também ria! Exibia todos os dentes porque, acreditem, a vida sofrida, não lhe derrubava o ânimo. Logo após o carinho, saía a correr eufórico pelo pátio em ultra velocidade, enquanto chorava e uivava, surtado, em pura euforia. Somente após esse ritual- afago, correria e riso e uivos - comia sua ração. Essa era a nossa rotina diária.

Mas assim como acontece entre seres humanos, Coragem tinha lá seus traumas. E não deveriam ser poucos. Eu não conseguia lhe dar banho, por exemplo. Colocava coleiras, mas ele sempre as arrancava. Vacinação era um estresse. Torci um dedo – tropecei e caí – ao tentar lhe aplicar medicação. Por pouco, na confusão, não saí “vacinado” contra todo tipo de doenças de cachorro. Pet shop? Nem pensar. Ele simplesmente surtava. E assim, os fantasmas do passado acabaram por encurtar a vida do Coragem.

No início do verão, ele apareceu com carrapatos e uma bicheira nas costas. Tentei de tudo para lhe aplicar remédios. Os carrapatos tirei, mas as larvas que ficam entre o couro e carne, não tinha como lidar. Tentei atraí-lo com ração, cafuné, coleira reforçada. Ele sentia o cheiro da medicação, via o veterinário e corria alucinado mato a dentro. Depois de um tempo, não queria mais nem me ver. A ferida cada vez mais aberta nas costas. Era da rua, sabia onde esconder-se. Aparecia à noite, quando estávamos a dormir. Eu só percebia sua presença em função do cheiro e das marcas de sangue.

Sexta-feira passada Coragem morreu, na porta de casa, devorado pela bicheira. A violência de seus antigos donos, mais do que cicatrizes, havia lhe roubado a confiança. Coragem era um prisioneiro do sofrimento. Era algo como esses guris recolhidos em instituições de atendimento especial. Vivem acuados pela brutalidade. Não aprenderam a entrega incondicional, porque tem contra si, a memória trágica do abuso extremo. 

Sinto saudades do Coragem, o cachorrinho sem pedigree que me ensinou um pouco mais sobre a importância do respeito e amor a todos os seres vivos. Me consola pelo menos ter lhe oferecido um cantinho, com comida e cafunés que aproveitou com desproporcional alegria. Aliás, era confortador ver aquele bicho traumatizado em quase êxtase. Com certeza, ele está muito bem no céu onde, com certeza, não lhe faltará o carinho que encontrou tão tardiamente. 

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Subir, subir. Depois cair, cair.

Tudo que está lá em cima pode desabar. É a implacável lei da gravidade. Então evitemos desafios inconsequentes (vejam: o trema também desabou vítima das novas regras ortográficas). Quando era guri, o edifício Santa Cruz, o mais alto da cidade com 34 andares, na rua da Praia, tinha também o elevador mais veloz de Porto Alegre. Eu brincava naquele sobe e desce só para curtir o arrepio na barriga proporcionado. Um dia, um senhor me disse que temia ver aquela caixinha de metal despencando a toda velocidade. “Iríamos virar sardinha”, imaginou com ar grave. 

Mas como já era íntimo do condomínio, eu sabia da atenta manutenção dos elevadores e continuava nos meus “vôos” até os altos de onde se tinha uma das mais belas vistas do centro histórico de Porto Alegre e do Guaíba. É assim que vejo as coisas: é preciso atenção, cuidado para evitar quedas como tem acontecido no Rio, onde atores e prédios desabam com uma frequência (olha outra trema que caiu!) assustadora.

Edifícios, pontes, viadutos, casas em encostas de morros, paisagens tidas como firmes e inspiradoras desabam diante da beleza natural. Um cidadão carioca (ou desafortunado turista) pode estar bem firme no chão, que permanece a ameaça de uma tampa de bueiro explodir, enviando o incauto às alturas para um mortal retorno ao solo quase sempre firme. Foi assim que o Teatro Oi Casagrande, no Rio, acabou palco de uma quase tragédia quando, durante o musical “Xanadu”, o público tomou um susto ao assistir os artistas Danielle Winits e Thiago Fragoso despencarem de uma altura de cerca de 5 metros! Ela teve mais sorte e caiu sobre Fragoso que fraturou cinco costelas e ainda está hospitalizado. Quantos não curtiriam ver uma linda mulher caidinha e quantas quem sabe não curtiriam provocar um apaixonado peso às costelas do ator? Mas esta, definitivamente, não é a melhor maneira de se chegar a esse objetivo.

O ator contou à imprensa que, ao cair, tentou se posicionar de forma a proteger a atriz e os espectadores na plateia, usando seu corpo para amortecer o impacto. Eu lhes pergunto, como um cabo de aço, supostamente resistente, se rompe, assim de repente? Alguém não teve o cuidado que Fragoso teve enquanto caía, ou segundos antes, quando percebeu que havia problema ali, nas alturas. Tem muita oferta de serviço, muito discurso e pouca responsabilidade neste país. Pouca fiscalização, quase nenhuma seriedade em coisas mínimas. Tem gente que se imagina lá em cima, no topo da escala da inteligência ou ilusória esperteza e, do alto de sua autossuficiência, assiste impune à tragédia provocada.

É preciso seriedade, seja no serviço público ou privado, para sacarmos do topo esses que se consideram muito acima de nós, mortais que acreditam, ou são levados a crer em eficiência ou boa vontade alheia. Isso vale em qualquer instância de nossas vidas. Às vezes colocamos pessoas lá em cima – reis e rainhas de nossas existências – e frustramos expectativas. Acaba o que era amor e desabamos às masmorras de nossas fantasias. Quebrados em mil pedacinhos, morremos pela sedução do sentimento de que nada nos derrubaria. 

Quando o vendaval da indiferença sopra, a queda é feia. Em outras palavras, de um projeto de engenharia a uma relação afetiva, é preciso manutenção e cuidados com reformas que não estavam nos planos, no contrato assinado anteriormente. 

O tombo será sempre mais sofrido e doloroso do que o tempo gasto na elaboração de qualquer projeto.