Sábado passado assisti ao show de Gilberto Gil que, aos 83 anos, retomou as apresentações, após a morte da filha Preta Gil. “Tempo Rei” é um espetáculo perfeito, com momentos que me levaram do sorriso às lágrimas, em pura resposta à sensibilidade do artista à sua reflexão sobre a natureza transformadora do tempo, soberano absoluto, mas nunca uma força de extinção. A frase "Tempo rei, ó tempo rei, transformai as velhas formas do viver" é a aceitação da mudança constante e, em meio a isso, a busca por um propósito a essa curta passagem terrena.
Nas cadeiras abaixo da minha, tinha um grupo animado de jovens senhoras que, entre os muitos assuntos, recaíam, basicamente, na questão da saúde. Dores lombares, enxaquecas mas, especialmente, nas diversas classes de medicamentos antidepressivos, que estimulam a serotonina, nossa importante “molécula da felicidade”. Trocavam vivências, desde efeitos colaterais aos possíveis sintomas de abstinência ao abandonar os remédios. Tudo tarja preta!
Uma delas disse que sofrera muito tempo com transtornos de ansiedade e esses remédios a haviam salvado. Mas falava de olhos fixos ao palco, ansiosa. Quando passou um ambulante oferecendo vinho, as três brindaram com um duvidoso cabernet sauvignon. Foi aí que, por alguns momentos, entramos em sintonia. Uma delas gritou: “Vinho é o meu calmante!” As amigas riram, levaram as taças em direção ao palco e, com certeza, naquele momento a alma delas cheirava a talco, “feito bum-bum de bebê como, posteriormente, cantou Gil.
Mas levar a bebida à condição de bálsamo também é exagero. Um taça, quem sabe, estabiliza. Os vinhos, inclusive em cultos religiosos, representam a alegria, a fartura e a benção. Mas na medida certa, sem o trágico caminho do alcoolismo. E aí volto às moças do show. Movidas pelo vinho, naturalmente se abriram a comentar sobre amores, ilusões e desilusões. Estavam solteiras pelo que entendi. E em busca de amores, senti. Uma delas reclamou que o tempo estava passando muito rápido. Perdi o resto do comentário porque o show iniciou.
Eu que já superei a fase dos medicamentos, mas sigo parceiro de bons vinhos, lembrei outra canção sobre o tempo, “All Things Must Pass” (Tudo Passa), do beatle George Harrison, que já partiu mas deixou sua mensagem: “O nascer do sol não dura toda a manhã, nem um céu carregado de nuvens será o fim do amor que partiu sem aviso. Nunca será sempre assim, cinza. Afinal tudo passa”.
E neste momento, já distante da juventude, aprendo com a maturidade a valorizar cada dia vivido. Um amigo poeta uma vez disse, ao me ver frustrado com essas coisas típicas de um cotidiano difícil. “Não esqueça jamais: sonhos não possuem prazo de validade. A vida coloca obstáculos, mas tu define os limites”. E talvez por isso, Gil supera a perda de uma filha ao voltar às apresentações, cantando: “Não me iludo. Tudo permanecerá do jeito que tem sido. Transcorrendo, transformando. Tempo e espaço navegando em todos os sentidos”.
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