sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Instantes eternos

No ano passado, enquanto caminhava próxima a orla, na Praia do Cassino, me  deparei com uma cena singela: um casal de idosos sentado em um banco, mãos entrelaçadas, olhando o mar. Não trocavam palavras, apenas silêncios. Mas havia ali uma comunicação tão intensa que me senti intruso por alguns segundos. O vento trazia o cheiro de maresia e o barulho das ondas completava aquela pintura de serenidade.


Imediatamente lembrei a frase “viver é muito perigoso, mas é bom.” do personagem Riobaldo, em Sertão Veredas, de Guimarães Rosa. E aí voltei aos nossos dias - eventos extremos de profunda estiagem, seguidos de enchentes de proporções históricas. Pensei em como, apesar de tantas agruras, a vida se sustenta em momentos assim — pequenos, discretos, mas que têm a capacidade de eternizar o instante.


Continuei a caminhada e, um pouco mais à frente, um grupo de adolescentes ensaiava passos de dança para o Tik Tok. Entre risadas e poses improvisadas, repetiam a mesma música dezenas de vezes, até que o celular marcasse o “take perfeito”. De um lado, a eternidade da calma. De outro, a urgência do agora. A vida é esse vaivém.


Na volta, lembrei a citação de um amigo músico que, ao querer me tranquilizar sobre a brevidade existencial me disse: “A gente só descobre a grandeza do tempo quando para de correr contra ele.” Carreguei essa frase comigo especialmente nos dias em que quase não reconheço o senhor refletido em meus espelhos. Talvez seja isso: parar um pouco, respirar e aceitar que nem tudo se resolve na pressa ou é passageiro.


O casal, ali naquele banco, me ensinou que a cumplicidade dá conta do silêncio. E aqueles jovens, me alertaram para a leveza de rir sem medo do ridículo enquanto meu sábio amigo, me entregou uma chave à reflexão. 


Na soma de tudo, percebo que o tempo não é inimigo  — é professor. Ele mostra que não precisamos de grandes feitos para marcar nossa passagem. Basta viver com efetiva presença no aqui e agora, exatamente porque é nesse intervalo que se guarda a eternidade.

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

O tempo é rei

Assisti ao show de  Gilberto Gil que, aos 83 anos, retomou as apresentações, após a morte da filha Preta Gil. “Tempo Rei” é um espetáculo perfeito, com momentos que me levaram do sorriso às lágrimas, em pura resposta à sensibilidade do artista à sua  reflexão sobre a natureza transformadora do tempo, soberano absoluto, mas nunca uma força de extinção. A frase "Tempo rei, ó tempo rei, transformai as velhas formas do viver" é a aceitação da mudança constante e, em meio a isso, a busca por um propósito a essa curta passagem terrena. 



Nas cadeiras abaixo da minha, tinha um grupo animado de jovens senhoras que, entre os muitos assuntos, recaíam, basicamente, na questão da saúde. Dores lombares, enxaquecas mas, especialmente, nas diversas classes de medicamentos antidepressivos, que estimulam a serotonina, nossa importante “molécula da felicidade”. Trocavam vivências, desde efeitos colaterais aos possíveis sintomas de abstinência ao abandonar os remédios. Tudo tarja preta!




Uma delas disse que sofrera muito tempo com transtornos de ansiedade e esses remédios a haviam salvado. Mas falava de olhos fixos ao palco, ansiosa. Quando passou um ambulante oferecendo vinho, as três brindaram com um duvidoso cabernet sauvignon. Foi aí que, por alguns momentos, entramos em sintonia. Uma delas gritou: “Vinho é o meu calmante!” As amigas riram, levaram as taças em direção ao palco e, com certeza, naquele momento a alma delas cheirava a talco, “feito bum-bum de bebê" como, posteriormente, cantou Gil.




Mas levar a bebida à condição de bálsamo também é exagero. Um taça, quem sabe, estabiliza. Os vinhos, inclusive em cultos religiosos, representam a alegria, a fartura e a benção. Mas na medida certa, sem o trágico caminho do alcoolismo. E aí volto às moças do show. Movidas pelo vinho, naturalmente se abriram a comentar sobre amores, ilusões e desilusões. Estavam solteiras pelo que entendi. E em busca de amores, senti. Uma delas reclamou que o tempo estava passando muito rápido. Perdi o resto do comentário porque o show iniciou. 




Eu que já superei a fase dos medicamentos, mas sigo parceiro de bons vinhos, lembrei outra canção sobre o tempo, “All Things Must Pass” (Tudo Passa), do beatle George Harrison, que já partiu mas deixou sua mensagem: “O nascer do sol não dura toda a manhã, nem um céu carregado de nuvens será o fim do amor que partiu sem aviso. Nunca será sempre assim, cinza. Afinal tudo passa”. 




E neste momento, já distante da juventude, aprendo com a maturidade a valorizar cada dia vivido. Um amigo poeta - o Sid D'Jesus - uma vez disse, ao me ver frustrado com essas coisas típicas de um cotidiano difícil. “Não esqueça jamais: sonhos não possuem prazo de validade. A vida coloca obstáculos, mas tu define os limites”. E talvez por isso, Gil supera a perda de uma filha ao voltar a seu público, cantando:  “Não me iludo. Tudo permanecerá do jeito que tem sido. Transcorrendo, transformando. Tempo e espaço navegando em todos os sentidos”.


Instantes eternos

No ano passado, enquanto caminhava próxima a orla, na Praia do Cassino, me  deparei com uma cena singela: um casal de idosos sentado em um b...