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sábado, 8 de maio de 2010

Ode às mães dos super-heróis

O filho surgiu de repente e abraçou-lhe as pernas. Em sua fantasia, incorporava Naruto, o menino do desenho japonês que trás um monstro aprisionado no peito e tem a missão de salvar a Vila da Folha Oculta, onde vive. Assustara-se com a própria brincadeira. Os outros o viam apenas como um piá travesso, mas acreditava estar no caminho de transformar-se no poderoso ninja Hokage. Inimigos desejavam assassiná-lo. De qualquer forma, ao abraçar a mãe, encontrava segurança e a certeza de que toda a luta valeria a pena.

Os vizinhos não entendiam aqueles pedaços de papel colocados nas paredes do corredor do edifício. Ela mesma explicava - entre pedidos de desculpas e auxiliada por outras mães de ninjas do prédio, que eram os kibaku fudai - papéis bomba – com dizeres mágicos na linguagem kanji, a lhes dar poder de fogo e explosão. Intimidavam prováveis invasores. Com ela o aprendiz de ninja negociava outros alvos estratégicos que sustentariam a missão de protejer sua gente. Dela advinha o dom de avaliar o certo e o errado, acima de qualquer outro poderoso ninja. Mesmo após um dia estressante de trabalho, ouvia pacientemente tudo sobre os detalhes da complicada vida de Naruto esmiuçada nas histórias que a tevê exibia todos os dias.

Mais tarde, ao anoitecer, chegava a vez daquele sujeito pesadão a laçar-lhe as pernas. O ninja-marido buscava alguma recompensa. Ela o ungia com os óleos da vitória, cicatrizava feridas de combates perdidos. Encontravam a fantasia da sobrevivência em um mundo real onde a escalada de poder, vitórias e conquistas superava o mais cruel de todos roteiros de mangá japones. O pai, o companheiro, também trazia em seu peito um monstro aprisionado. E acreditava ter a idêntica missão de proteger, quem amava, dos perigos reais. Igual ao filho, sentia medo, sofria com a insegurança. Arrancava afagos para acalmar as tormentas da alma e prosseguir, ao alvorecer, em sua missão.

Levava consigo uma shuriken, aquela arma em forma de estrela que os ninjas usam para confundir inimigos. Era um presente do filho que ela - como boa mãe - aconselhara a deixar guardado junto ao bolso esquerdo do paletó. Agradaria ao ninja aprendiz da casa. Quem sabe, o brinquedo brilhante não acabasse refletindo maus presságios? Tornara-se um amuleto da sorte, desde então.

Ela conseguia enquadrar-se nesses universos fantasiosos, tipicamente masculinos. Sabia, a vida era mais do que aquilo, mas reconhecia que eles a tiravam um pouco os pés do chão. Ensinavam as vantagens da conspiração do sonho, de alivar a pressão. Tinha fé, identificava um inimigo a quilômetros de distância e contra ele, usava sempre seu instinto e sensibilidade aguçados. Era seu melhor dom. Organizava o singelo e administrava o complexo, fosse no lar ou no trabalho, ambientes que lhe absorviam mais do que desejava.

Cadê o tempo para os livros que tanto amava? Os minutos, rarefeitos entre compromissos pesados, para a prosa com amigas? Não lutava pela supremacia de uma distante liga ninja. Cuidava da vida presente com a atenção e respeito que essa merece.

Heroína? Sentia-se apenas uma mulher. Isso, com certeza, representava mais do que tudo. Nem precisava um dia especial para lembrar-lhe de sua força, da necessidade de ser respeitada como tal. Sabe que ainda humilham homens considerados fracos e cruxificam mulheres fortes. Mas era forte.
 
Abrir-se ao amor lhe permitira gerar a vida. Essência da feminilidade que ensina a compreensão do mundo, de seus guerreiros domésticos e a circular entre comandantes ou comandados em sua rotina profissional. Exigir mais o quê? Reconhecimento e autonomia, com certeza. E um bom SPA! Tudo isso sem pegar em armas. Muito bem maquiada e de cabelos, unhas e pés rigorosamente em dia. Aliás, todo dia é Dia das Mães. Parabéns!

4 comentários:

Ricardo Antunes disse...

As mulheres sempre em busca da perfeição, nunca alcançada. Não fossem assim, nós homens não as desejaríamos tanto.Mas ao mesmo tempo, elas não aceitariam melhor nao fossem assim, extremamente exigentes.

Claudia disse...

Meu filho leu tua crônica e adorou. Parabéns! Eu me sinto homenageada tb.

João Carlos disse...

Somos companheiros de Rotary e eu não conhecia esse talento literário. Mostrei a minha mulher que adorou - como boa mãe - tua crônica.

Renata Schmidt disse...

Eu já penso diferente. Acredito que as mães de hoje, trabalham demais, sofrem para administrar a educação dos filhos que permacem tempo demais em escolas, ou em casos piores, na rua, na casa de amigos ou em bandos. E aí, ao invés de superheróis, acabam como...vocês sabem,gente do outro lado.