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terça-feira, 6 de setembro de 2011

Quem ri-do-rato, vive!

Organizava cadernos e papéis em minhas entulhadas gavetas - um trabalho quase psicanalítico - quando achei a carta de uma ex-colega, lá dos anos 80, tempos em que ainda se escreviam cartas, coisa anterior ao e-mail e redes sociais. Ela agradecia minha solidariedade, após uma fase depressiva e dizia achar graça dos exageros, da brutal carência e falta de amor próprio que a levara ao gesto extremo de tentar acabar com a própria vida. E o fez com requintes de estilo. Redigira um texto de frases feitas, citações de grandes poetas e ainda gravara um último adeus – voz compungida – entremeada por soluços da mais pura e sincera mágoa contra o mundo cruel. Ó dor!

Um momento assim é realmente devastador, especialmente no caso dela, casada com um pacífico e dedicado professor europeu, que chegara ao Brasil para uma curta temporada esticada pela paixão. Ele só retornou quando o amor fez as malas e antecipou-se ao adeus. Partiu de repente, sem adeus. Sem aviso.

Chorou o que pode. Sentia-se pior do que o mais vil dos seres humanos e, sufocada por uma devastadora torpeza, mirou-se no reflexo das mágoas  questionar “és afinal, uma mulher ou uma desprezível ratazana”? E se pôs a roer a estima feito minúsculo camondongo.

Correu à dispensa onde guardava produtos de limpeza. Encontrou o pacote de veneno granulado para ratos. O antigo Ri-do-Rato. Abriu um,espumante francês, Veuve Clicquot, que reservara para o jantar romântico que celebraria os cinco anos de vida a dois. As primeiras taças para lhe dar coragem, as demais para ajudar a digerir as quase dez pilulas engulidas.  E assim, brindando a cada momento feliz da relação, entre choro e gargalhadas, embebedou-se.

De repente uma dor lancinante lhe torceu os intestinos. O veneno agia. Um calor, uma força estranha, como se algo se movesse apressado em seu ventre e tentasse rasgar-lhe as entranhas. Era o fim chegando, imaginou. E correu ao banheiro, onde de forma nunca antes vista, uma brutal, uma avassaladora diarreia a prendeu ao vaso. Morreria daquela maneira estúpida, humilhante? Após mais alguns longos e sofridos minutos tudo passou. E sentiu-se melhor. Muito melhor. Aliviada. Vazia.

O veneno deveria estar vencido, imaginou. Quando examinou o pacote, percebeu que ingerira um forte laxante que seu ex escondera ali. Ela tinha mania por dietas agressivas com esse tipo de medicação. Voltou a razão e abriu outro espumante. Desta vez para brindar ao homem que a jogara ao fundo do poço e que, de alguma maneira, a salvara do limbo.

Estava pronta, pós catarse, ou melhor pós diarreia, para ser feliz ou simplesmente curtir seu novo momento independente e lúcida. “De alguma forma, dele ficou aquele último gesto de carinho", escreveu ela, que voltou a namorar. "Sem grandes expectativas, porque assim, dói menos", escreveu. 

3 comentários:

Tárik Matthes disse...

um dos melhores textos que li nos últimos tempos...

Léa Aragón disse...

Que bom se todas as tragédias acabassem assim, com champanhe francês, um boa cagada e o recomeço mais prudente.

Ari Teixeira disse...

Infelizmente nem sempre é assim. Geralmente, a turma se emborracha de qualquer coisa com álcool e comete a cagada de cair na conversa de outro mala.