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segunda-feira, 16 de abril de 2012

Síndrome da Pequena Sereia

Imagem da Pequena Sereia na Dinamarca
No verão ela saracoteou no litoral – de Torres a Punta Del Este – com a mesma desenvoltura da Pequena Sereia do conto de Hans Christian Andersen. Bronzeou-se, exibiu o corpo bem cuidado, permaneceu imune aos candidatos a príncipe e ao final do veraneio torceu para transformar-se em espuma do mar, como reza a história das sereias. Mas o que aconteceu? Pouco a pouco, embora o calor deste março passado, foi perdendo o tom dourado, enquanto os dias mais curtos apressavam as noites e, com elas, algumas madrugadas de terrível insônia. O problema não era nem o dormir. Mas os pensamentos nestas horas. Culpas e carências batendo à porta, acelerando o ritmo cardíaco.

Definitivamente, a Pequena Sereia não se transformara em bolhas que retornariam apenas na próxima temporada. Estava lá, viva a estranhar uma solidão que não parecia incomodar em outonos passados. “Estou envelhecendo da pior maneira”, disse, sem muita convicção, porque afinal o espelho revelava um ar juvenil e saudável. Mas as folhas secas, caindo no pátio do condomínio lhe enviavam uma mensagem que ainda não conseguia decifrar. O inverno estava próximo, havia se preparado para isso. Reservas em bons hotéis na Serra, uma viagem ao Nordeste, onde é sempre quente e a sereia quem sabe, ressurgiria por alguns dias. Mesmo assim lhe parecia que não era tudo.

Conversou com uma amiga e arrependeu-se de ter uma confidente sem miolos. “Está te faltando homem!” Como assim? Era uma divorciada feliz! Aprendera a conviver de forma independente, sem vínculos. Ela, e os filhos que, neste ano, estavam no exterior em cursos de pós-graduação. Seria isso? Com certeza não. Com eles conversava quase que diariamente. Estava realizada ao vê-los independentes. Amores? Lembrou que saíra com um amigo que no início de fevereiro quase virou namorado. Mas o enjoo pelo recomeço a fez recuar. Enfrentara anos de adversidade criando filhos, trabalhando duro, sem apoio nas horas de crise e sem calor nos dias de frio.

Não reclamava de nada, nem guardava mágoas do ex-marido, um "simpático cafajeste", como definia. Essa atitude até facilitava sua relação com o universo masculino. Era um escudo contra mancadas. E foi numa dessas madrugadas, na disputa entre a sereia e a mulher, que percebeu ser vítima da força instintiva que a empurrava a disposição por algum tipo de parceria. Mas igual à sereia do conto, ao virar espuma, ainda no verão, conquistara o direito a uma espécie de purificação por bom comportamento e atitude madura diante da vida.

E esta conquistas ainda sob o sol do verão, lhe iluminara a força da razão e lhe permitia pensar com equilíbrio. Domava, nas noites insones, a fera carente. E pensar levava a reflexão que, de uma forma bem racional, aliviava a dor e permitia discernimento para escapar das soluções fáceis, como a sugerida pela amiga, prisioneira do falso canto das sereias. Uma mulher verdadeira – de corpo e alma – nunca está só. E se, por ventura, surge alguém, uma paixão, essa nunca ocupa um espaço vago, cria outro, “novo e muito bem administrado”, garante.

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