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segunda-feira, 15 de junho de 2009

Ciúme é um sentimento burguês?

"Não concordo com a idéia de apego, apropriação. Não existe aqueles que amam o amor dos outros. O amor romântico é próprio, individual, livre. A apropriação do ser amado, nada mais é do que um conceitinho burguês". Ana Maria Bessil, jornalista sobre o post Namorados, Apesar de Tudo, do dia 8 passado.

Ok, Ana. O tema é polêmico quando trata desta questão de amor e posse. Se é burguês, não sei. Mas lembrei a história de um colega que inspira o texto abaixo, baseado em fatos reais. É a angústia burguesa (será?) de um tal "Dorvalino":

Dorvalino sentou-se próximo a um grupo de senhoras que se deliciavam com chá e torta em um dia frio. A confeitaria com seus aromas doces, a música leve e o ar-condicionado o acolhiam no meio de um tarde tensa. O tagarelar animado de suas vizinhas de mesa colocavam aspas nas atribulações pelas quais passara desde que amanhecera. Primeiro a falta de fundos do cheque assinado por seu maior cliente, depois a discussão sem sentido com a esposa que não aceitava esperar mais um dia para juntos, irem ao supermercado. “Está faltando tudo em casa!” esbravejara a mulher.

Tentava escapar das broncas domésticas naquele mimoso lugar. Deleitava-se com a futilidade da conversa alheia. “A Itália continua linda e desorganizada”, afirmava a mais velha da turma. “Mas os homens... Estes são o maior trunfo daquele país”, acrescentava outra, entre olhos maliciosos. “Que teu marido não saiba”, envenenou uma terceira. “Não te preocupa, eu viajo sempre sozinha. Pra que levar sanduíche, quanto tenho pratos mais gostosos para provar lá...” Gargalharam indiferentes as pessoas a sua volta. “Cada qual com seus problemas”, pensou Dorvalino enquanto escolhia alguma coisa para comer. A fofoca alheia lhe abrira o apetite, desviara a atenção de seus próprios problemas para um outro mundo, muito distante do seu, imaginava.

Elas seguiam em inconfidências. Relatos de temporadas gloriosas no exterior, queixas contra a paranóia norte-americana que humilhava em Nova Iorque. “Tenho lá eu cara de terrorista?” inquiriu uma. “Botóx não é explosivo. Você jamais será barrada em aeroportos, querida ”, brincou maldosamente outra. De repente, a mais quieta da turma faz ares de mistério e diz: “Vocês sabem o que fez uma amiga? Primeiro seduziu um colega de aula, do tipo carente, baixa estima e conta bancária em alta. O cara acabou caído por ela. Casada, faz tudo na maior discrição", explicou.

"O marido dela levando calote de clientes, as vendas caíram um monte. Uma tragédia! Para manter o padrão, mantém esse namoro. Às vezes o arrasta até o mercado e ele paga o rancho. A danada enche o carrinho com vinhos importados, especiarias e até as coisas do marido. O que vocês acham disso?”

Antes de ouvir o veredicto da senhoras, nosso amigo pagou a conta e tomou o rumo de casa. Ao chegar não encontrou a esposa. Na mesa da cozinha, um bilhete: “Fui levar nossas filhas na avó que está com saudades. Mas para te poupar, já fiz as compras. Não te preocupa não gastei muito meu único excesso foi contigo: comprei aquele Malbec argentino que tanto gostas. Vamos bebê-lo juntos. OBS: Também te comprei um aparelho novo de barbear. Assim teu rosto fica macio como eu gosto. Um beijo!” Em qualquer outro momento, Dorvalino adoraria tanta disposição para reatar em plena crise. Mas depois daquela tarde...

Quando a esposa chegou, o ciúme o transformara em pálido zumbi. Olhos fixos na tevê. No íntimo queria sumir dali, xingar, expulsar o vendaval que lhe atormentava. Mas sentia-se impotente e atônito. Um diminuto personagem de fofoca. Encurralado, decidiu que não frequentaria mais cafeterias burguesas (?). Não admitia o ciúme. Era um homem moderno. Mas por precaução, as compras da família, a partir de agora seriam sempre feitas a dois, “Afinal, essas coisas chatas temos de dividir, meu bem”, justificou.

A mulher achou melhor não contrariar Dorvalino. “A gente fala sobre isso depois” e correu para a cozinha onde duas taças aguardavam um brinde. “Não está faltando uma?” pensou Dorvalino. Mas optou por recriminar a maldade alheia que lhe envenenara. Dói menos e não é burguês. Quem sabe?

3 comentários:

Léa Aragón disse...

muito boa esta história. fico imaginando o cara bebendo o Malbec, comendo a própria mulher e sentindo em tudo um gosto amargo...como se não tivesse direito. Mas a Anamaria, ein? Como está. Nesses tempos de falta tudo, ela ainda fica com estes pruridos tri-de-esquerda. Acho que arrumou um Fidel Castro pra fazer compras no súper. Que mimosa!

Ana disse...

Justamente pelos tempos "de falta tudo", e pela qualidade do cenário "falta tudo", não existe espaço para apego, apropriação. Vamos compartilhar, dividir, com critério,garbo e elegancia.

CarolBorne disse...

Tem coisas como cuecas e calcinhas, que são íntimas demais pra serem compartilhadas. Ainda assim não me apego a elas mais do que o estritamente necessário, até que fiquem velhas ou puídas a ponto de serem substituídas.