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quarta-feira, 10 de junho de 2009

Namoro em tempos maduros

Renato abriu mais uma garrafa de vinho - melhor alternativa para enfrentar o frio úmido de junho,­ às vésperas do Dia dos Namorados. Laura, riu. Decididamente iria permanecer mais uns minutos ali. Sentia-se confortável e, embora soubesse da má vontade de veterano jornalista com a possibilidade de uma aventura amorosa, fantasiou a possibilidade de utilização daquele “corpo estranho” por um par de horas e depois liberá-lo. Sem esperar por telefonemas, e-mails ou flores. Afinal, não é este o sonho da maioria dos homens? perguntou aos botões da blusa que, a exemplo daqueles cantados na música de Roberto Carlos, mostravam-se dispostos a abrir-se em possibilidades íntimas.

Ele estranhou o olhar pensativo da moça e, querendo fugir do tema trabalho - estavam ali produzindo textos para o livro de um deputado - pateticamente passou a reclamar da inconstância do tempo. Será que vai chover? Laura provocou: “Você escreve sobre meteorologia? Ou é falta de assunto mesmo? Que tal falarmos sobre o presente para a namorada?” Ele esquivou-se. Achava-se velho demais para romances. “Sou um quase cinquentão voltado a coisas práticas. Trabalho, comida boa e viagens quando tempo e dinheiro entram em conjunção astral. Relacionamentos exigem dedicação, o que não estou podendo oferecer”, disse com o ar solene de quem esquarteja segundas intenções. Laura abriu a bolso e tirou um recorte de jornal, com trechos de uma crônica onde o autor definia o amor como um imenso deserto.

Quem vive sob seus domínios deve enfrentar o sol escaldante, as tempestades de areia e o frio de tantas noites solitárias até merecer o oásis do bem viver a dois. O amante prevenido guarda no coração o beijo que sacia a fome da paixão e tatua em sua pele o cheiro, as mãos nervosas que cumprem o percurso do prazer. E transforma os sussurros em música, em hino de uma pátria a ser conquistada a cada novo dia. E assim, com corpo e alma consagrados a um sentimento único retomam a jornada do cotidiano com suas obrigações” citou Laura, surpreendendo Renato.

A vida faz do amor, uma eterna jornada por estas areias escaldantes. Tem o vendaval do dia-a-dia, o bafo morno da rotina, a sacudida das crises, das pequenas traições, das juras secretas que se transformaram em eco diante de um abismo de rancor e crediários. Quantas vezes amor me tens ferido! Quantas vezes, razão, me tens curado, escreveu Bocage". Mas será que vale a pena esta cura? Acrescentou Renato.

Laura, já com as bochechas coradas pelo vinho, fechou a janela da sacada. Lá em baixo, a cidade reduzia seu movimento, alguns faróis ainda varriam as avenidas que escondem sombras, infelizmente, perigosas. Renato perguntou se ela queria chamar um táxi. Laura, de volta à sala respondeu - decidida - que poderia dormir no sofá mesmo. Encerrava-se a discussão. Nada como se preparar para o Dia dos Namorados, improvisando uma paixão, mesmo que de mentira.

Uma sirene da ambulância ecoou sua angústia lá fora. Mas os suspiros emitidos naquele antigo apartamento, no centro da capital gaúcha, sinalizavam a certeza de que a relação amorosa é ainda é um curativo eficiente, goste ou não Bocage. Feliz Dia dos Namorados àqueles que ainda não desistiram e que buscam seu pequeno oásis nos desertos do amor.

3 comentários:

Léa Aragón disse...

Huuuumm, ficção é?

Ari Teixeira disse...

Ficção? sim claro. Mas tem origem em fatos reais...

Ana disse...

Eu diria que o evento descrito é próprio!Afinal,nosso passado fala por nós.Ou não?Anamaria