Pesquisar este blog

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A infidelidade e o dom de iludir de toda mulher



A porta entreaberta permitia à curiosidade alheia frestear a cena insólita da mulher chorando, atirada em um macio sofá de cor salmão. Não resistiu, e indagou se poderia ajudar em alguma coisa. Professor aposentado, casado com uma conceituada psicanalista, estava habituado a enfrentar situações estranhas com serenidade e discrição. Além de tudo era um dos moradores mais antigos daquele edifício e tinha muitos amigos ali.

Ela, por exemplo, era uma excelente vizinha e ao lado do marido, parceiros constantes nas nunca fáceis reuniões de condomínio. Entrou e fechou a porta. O marido não estava. Haviam discutido. Briga pesada. Constrangida, confessou que fora infiel. Em uma festa da faculdade bebera demais e cedera à pressão de um colega. “Um grande babaca!” Quando se deu conta, amanhecera em um motel na zona sul da cidade, com um sujeito que mal conhecia. Ligou para a colega que a acompanhara. Contou o que acontecera. Combinaram uma desculpa em conjunto. Como a festa esticara muito, haviam decidido tomar o café da manhã em uma padaria para curar a ressaca. Era sábado, afinal! Nunca saía com as amigas. Tinha direito a uma noitada, afinal! Não respondera as dezenas de ligações e mensagens dele, porque o aparelho estava no silencioso. 

Lívido, o marido ouviu a desculpa. Irritou-se com as lágrimas da mulher. Até para o 190 ligara! Temera pelo pior – a violência urbana era seu maior medo – e ao vê-la naquele estado, percebia que realmente o pior acontecera. Ele que jurara fidelidade, assumira riscos, agora questionava tudo a sua volta. Faltara carinho? Ousadia nas horas de paixão? Férias mais bem aproveitadas? Parceria? Saiu porta afora jurando não voltar nunca mais.  

E ali permanecera ela. Agora confidenciando um drama, uma dor imensa a um vizinho! O professor, ainda surpreso com a rara confissão feminina de traição, lembrou a letra de Caetano Veloso “Você diz a verdade, a verdade é o seu dom de iludir. Como pode querer que a mulher vá viver sem mentir?”.

E a aconselhou, se pretendia continuar casada, se ainda sentia algum amor pelo marido, que mantivesse a desculpa do café matinal. “Ele vai aceitar, você é uma mulher séria. Acontece...” Mas em troca do segredo que guardaria a sete chaves, pediu que discutisse a relação. Sim, uma DR era importante. Aproveitasse o momento. Havia uma crise mascarada pela rotina. Não fosse assim, não teria chegado àquele extremo. Saiu, deixando a moça mais confiante no perdão. Feliz pela boa ação e convencido de que a dita vida a dois, sempre envolve muito mais gente do que o necessário.

Nenhum comentário: