Scliar foi patrono um dezenas de feiras no Interior. Por menor que fosse o evento, lá estava ele, incentivador da leitura. |
Era janeiro de 1987. Eu vinha do interior do Estado, onde trabalhava como produtor e locutor em uma emissora de rádio de abrangência regional o Vale do Taquari. Surgiu a oportunidade para fazer um teste em Zero Hora. Para conquistar uma vaga na redação por uma semana cumpri uma maratona: acordava às 6h,permanecia na emissora até às 11h para adiantar as notícias de todo o dia, me deslocava para a estação rodoviária e chegava em Porto Alegre pouco antes das 14h. Numa abafada tarde de segunda-feira conheci a redação da ZH onde recebi minha primeira pauta:
- Pega um carro e entrevista o Moacyr Scliar na Secretaria da Saúde - disse secamente a editora de Geral, jornalista Núbia Silveira, entregando um pedacinho de papel.
Nem atinei de ler o estava escrito tamanha estupefação. Em pouco minutos estava diante de um ídolo que só conhecia dos textos e eventuais reportagens de tevê.
- Pois não, o que tu queres, amigo? perguntou Sclyar educadamente.
Apavorado com a tarefa,boquiaberto por encarar um monstro sagrado das letras gaúchas finalmente li a pauta:
- Quais os benefícios e malefícios entre o uso da sacarose e do açúcar? - disparei como uma metralhadora.
Ele pediu para repetir e, em seguinda, tomou o papelzinho já bastante amassado e disparou:
- Não acredito! Tu deve ser "foca" (novato em jornalismo) e a tua chefe é a Núbia! Há cinco anos que ela manda sempre a mesma pauta.. disse o médico-escritor para meu pavor definitivo.
Quando tentava chega à porta, com voz suave ele me chamou de volta:
- Senta aqui, vamos tomar um cafezinho e conversar com calma.
Na volta à redação consegui recuperar o fôlego, a cor e os sentidos. Uma hora depois recebi uma ligação: era próprio Moacyr Scliar:
- E aí, Gilberto... alguma dúvida? Precisa de mais informações?
Li a matéria, educadamente ele sugeriu algumas mudanças e a matéria foi para o crivo severo da Núbia Silveira.
Trabalhei onze anos em ZH. Tenho mais de 30 anos de jornalismo, mas jamais esquecerei o escritor, cronista, médico e, acima de tudo, o ser humano gentil, sensível e que, por isso, cativou a todos.