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quinta-feira, 21 de abril de 2011

Um show inesquecível de Roberto Carlos nos anos 70

Início dos anos 70 e lá estava eu, meio perdido entre a vocação para o jornalismo e a pressão da família a insistir que esta vocação era sinônimo de pobreza. Meus ídolos estavam igualmente amadurecendo. O rock britânico perdia os Beatles era o sonho que se acabava. No Brasil, os baianos Caetano e Gil, a revolução pop dos Mutantes, faziam minha cabeça, entre outros, como Chico Buarque e alguns discos de rock argentino que chegavam de amigos que visitavam Buenos Aires.

Outro ídolo de infância, Roberto Carlos, entrava em uma fase romântica, mas ainda com pique frenético.  Canções como Sua Estupidez, As Curvas da Estrada de Santos, por exemplo, tinham uma sinceridade fantástica, uma coisa meio de rasgar a alma e se expor, embora a contraditória atitude contida do artista. Nada de modismo, apenas versos sinceros. Por um acaso destes, acabei assistindo a um show do Rei no Canecão, uma imensa choperia da moda de um Rio de Janeiro ainda apaziguado e lindo como sempre.

Confesso que fui levado, sem muita empolgação, por amigos. E jamais esqueci o profissionalismo, o carisma de um Roberto Carlos inovador. Alguns anos antes, durante sua participação nos festivais de San Remo, na Italia, RC assistira, em Paris, a um show do francês, Johnny Haliday e ficara fascinado com a superbanda que o acompanhava. De volta ao Brasil, fez o mesmo. Acrescentou sopros, vocais e um som mais pesado a suas performances. Nesse estilo gravou discos, como “O Inimitável Roberto Carlos”, onde o hit “Ciúmes de Você” era a síntese maior deste Roberto Carlos swingado.

Este show no Canecao, tinha a entrosada RC7, banda que o acompanha ainda hoje. O Canecão, acredito eu, marcava o padrão de apresentações que leva até hoje. Contava algumas piadas, enaltecia os amigos da Jovem Guarda, especialmente Erasmo Carlos e Wanderléia. E em determinado momento, ao cantar “Meu Pequeno Cachoeiro”, canção em homenagem a cidade onde nascera, cita pela primeira vez o acidente de trem que lhe decepara pedaço da perna direita. O trauma, a dor do menino que não poderia mais jogar futebol e a volta por cima, com a música. Eu e todo público, comovidos com as memórias do cantor.

Saí de lá impressionado, as roupas pretas (RC ainda não sofria com os transtornos que o levam a vestir somente azul e branco), o estilo que misturava baladas, rock e uma pegada vigorosa – não lembro o nome do fantástico baterista – mas ele sentava a pua. Maravilha! Foi nesse show que iniciou a fase mística, com a canção Jesus Cristo, talvez inspirada no mega hit My Sweet Lord, de George Harrison. Saí do show convicto de que Roberto Carlos estava a caminho de tornar-se um dos maiores artistas da América Latina. O que se confirmou. Gravou em espanhol (com um sotaque horrível, no início) e vendeu milhares de discos nos países vizinhos.

Mas aquela noite, no Canecão, ficou para sempre como uma lembrança feliz. De um artista humilde, que canta com o coração e por puro prazer. Seus milhares de fãs não exigem tanto assim. Portanto, o errado deve ser eu que estou aqui a celebrar – com atraso – os 70 anos de um cara que, afinal das contas, fez minhas tardes de domingo, na adolescência, serem mais felizes. E isso, em períodos de ditadura representava muito.

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