Dois jovens, com a força que a juventudes lhes premia. Dois
jovens, em passos largos e decididos avançam contra o homem que não espera pelo
ataque. Um senhor aproximadamente de minha idade – mas um senhor especial. Com deficiência
mental. Sem tempo, sem condições de correr, defender-se ou argumentar. Este
cidadão especial passa a ser agredido. Muito mais do que isso, humilhado por
socos, chutes, pauladas. Covardes, abjetas, diabólicas. Dois jovens demônios,
Dois seres sem idade, sem tamanho, sem consciência de sua maldade ou pior,
plenamente lúcidos de seu ato sem nome, sem razão, sem nenhum sentido. Monstros
são melhores, porque existem em fantasias ou pesadelos. Eles estavam lá, ao
vivo, gravados em um absurdo reality show da condição humana, por uma câmera de
segurança. Contraditoriamente, era a cena mais clara, mais nítida da estupidez
que a baixa resolução daquele equipamento oferece.
Tudo isso aconteceu diante de uma loja no litoral, na tarde
de terça-feira. Até agora me pergunto se teriam alguma pendência contra a
vítima. Relatos tinham a vítima como um sujeito pacífico. Vá lá, entender os
desequilíbrios, as fontes repletas de ira que se derramam diariamente sobre os incautos.
Mas a rua, por mais vontade que tenhamos por vingança, a rua não é espaço para
tribunais ou execuções bárbaras. Os tribunais por mais inacessíveis, a justiça
por mais distante, deve ser preservada. É por meio dela que devemos brigar. Não
no sentido belicoso do confronto físico. Ou de tortura psicológica.
Existe um caminho a ser desbravado até a redução destas vítimas
do acaso, ou da execução planejada por este ou aquele motivo. Lembro do pai e
filho agredidos por um grupo de homofóbicos, que ao vê-los abraçados imaginou
que fossem um casal gay. E se fossem? O que é mais constrangedor e perigoso? O
carinho ou a carranca? Não posso – eu não me permito – sequer ao um íntimo
regozijo diante de imagens como a de um Kadaf executado pela fúria dos que
antes, por ele talvez tenham sido igualmente abusados.
Às vezes, ao cruzar as ruas de minha cidade, o faço com ares
de quem saiu de um desses filmes de Stephen King, onde o mal vence sorrateiro e
assustador. Tudo conspira para esse medo paranóico de ver a literatura de
terror tornar-se realidade diante de meus olhos ou sobre mim. Essa realidade é pior
do que qualquer livro onde vampiros,
lobisomens ou mortos-vivos, apavoram lugarejos lúgubres, casas amaldiçoadas.
Dois
jovens, dois homens desfocados, tornam-se roteiristas, diretores e
protagonistas do horror gravado pela câmera fixa de uma vitrine. Era dia claro,
em uma rua qualquer e eu sei bem em qual gênero de espetáculo estes dois jovens
atores se enquadram. Lamentavelmente, impune.
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