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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

A Cançoneta do Forte Fraquinho

Zeca Medeiros, talento português
Pobre língua portuguesa que esconde a grande maioria de seus talentos. Escritores, poetas ou cantores. O mundo conhece aqueles que chegaram ao topo - Amália Rodrigues, Chico Buarque, Caetano Veloso e, de vez em quando, um “Ai se eu te pego” efêmero. Escrevo sem rancor ou ranço, mas com o pesar de quem sente-se em um isolamento linguístico (ai como me dói, escrever-te sem trema).

Por exemplo, quem conhece Zeca Medeiros? Artista português dos Açores, que conheci quase sem querer zapeando os canais da DirecTV, em um programa do canal internacional da RTP, no início dos anos 90. Ouvi atento e completamente encantado a longa Cançoneta do Forte Fraquinho, com sua poesia sutilmente engraçada e que te faz rolar lágrimas. 

Aos que igual a mim, nunca o ouviram, explico que ele tem um toque de Jacques Brel (que cita na Cançoneta), ou para os mais modernos, um jeito Tom Waits, na voz forte e rasgada. Mas é essencialmente português. Canções originais, cheias de uma mágoa gostosa e amor desbragado, que lotariam qualquer teatro de nossa Porto Alegre. Mas aqui, sequer devem saber de sua existência. 

Procurem ouvi-lo. A voz solta, os arranjos simples, intimistas e que nunca se repetem. Zeca Medeiros sente o clima de cada platéia e lhes brinda sempre com um novo arranjo. Adoro canções clássicas como “Eu gosto tanto de ti que até me prejudico” e outras que luto para cavar pela internet. Estivesse a compor em inglês, seria um hit, um desses artistas classificados como “cult”. 

Sei, Zeca não deve estar muito preocupado com isso, não faz o gênero estádios lotados. Mas eu, gostaria de poder assisti-lo em um pequeno teatro que fosse, só para poder reverenciá-lo com o meu agradecido aplauso. (abaixo a letra da Cançoneta).

Cançoneta do Forte Fraquinho

Vou correr o mundo inteiro,
vou seguir o teu luzeiro,
neste meu pobre batel.

É destino de quem ama,
ser actor num melodrama
num romance de cordel.

Eu passo horas a fio
a ensaiar um assobio
e tu nunca me sorris.

Vou escrever um poema,
vou inventar um cinema:
um filme com um final feliz.

Vou dar a volta ao meu fado,
vou-me fazer engraçado,
para acender o teu sorriso.

Vou dar a volta ao destino,
vou até fazer o pino,
talvez perdendo o juízo.

Por ti sinto um arrepio,
vou fundear meu navio
no cais da tua indiferença.

Faço tudo o que quiseres,
até pesos e halteres,
que isto é quase uma doença!

Sombra, cinza, solidão,
por dentro da minha canção,
Do, ré, mi, fá, sol, lá, si.
Vou cantar muito baixinho,
este tão forte fraquinho
que me faz correr por ti...

Hei-de ser muito cortês,
com piano e francês,
vou aprender a dançar.

Vou comprar um papillon,
rasgar noites de néon
para acender o teu olhar.

Dou um jeito no sotaque,
que não sou nenhum basbaque,
que não sou um gabiru.

Aprendo a ter maneiras,
canto em línguas estrangeiras,
oh mon amour, I love you!

Agora tenho um palpite:
vou pertencer à elite
de poetas e pintores.

Mesmo sem ser o Picasso,
vou melhorar o meu traço,
hei-de inventar novas cores.

Quero pintar num retrato
o teu gesto tão gaiato,
tão suave como a brisa.

Quem sabe se, felizardo,
hei-de ser o teu Leonardo
e tu a minha Mona Lisa.

Sombra, cinza, solidão,
por dentro da minha canção,
Dó, ré, mi, fá, sol, lá, si.
Vou cantar muito baixinho,
este tão forte fraquinho
que me faz correr por ti...

O teu amor é incerto
e eu quero ficar mais perto
do teu olhar tão distante.

Vou quebrar esta lonjura,
cavalgar a noite escura,
como um cavaleiro andante.

Hei-de ser um menestrel
a imitar o Jaques Brel,
numa valsa sem ter fim.

Vou-te ofertar minha lira,
e mesmo que seja mentira
diz-me que gostas de mim...

Sombra, cinza, solidão,
por dentro da minha canção,
Dó ré mi fá sol lá si.
Vou cantar muito baixinho,
este tão forte fraquinho
que me faz correr por ti...

Zeca Medeiros

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