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quarta-feira, 3 de junho de 2009

Uma obra de arte e aqueles lindos olhos azuis

O amor funciona melhor quando se respeitam os gostos e a história anterior de cada um

Estava tudo quase perfeito. Lá fora, frio e chuva. Dentro de casa, uma dessas comédias românticas repetidas mil vezes, era apenas desculpa para as pipocas, rapadurinhas e o chimarrão. No sofá macio, cobertores e afagos mantinham as mãos ocupadas e quentes. De repente aqueles lindos olhos azuis o fitam, questionadores: “Amorzinho, posso te fazer uma proposta? Tu não vai ficar chateado comigo?” E antes mesmo da resposta, virou-se para a parede da sala, apontando o imenso painel em óleo intitulado “Eldorado”, trabalho da artista plástica Dione Veiga e sugeriu: “Vamos tirar daí? Dar para alguém, sei lá...”.


Experiente e por isso mesmo, sem tempo para a perplexidade, reagiu com a naturalidade que o momento exigia. Respondeu - direto e definitivo: Não! Voltou-se ao filme e seus personagens vivendo crises, encontros e desencontros. Preparavam-se talvez para o final feliz. Sessão da tarde necessita de roteiros sem tropeços e trilha sonoras envolventes. Olhou pela janela, a chuva insistia forte. E se estivesse só naquela hora? Ninguém para redecorar a casa, sugerir, indicar, apontar novidades. Mas e o frio?

Sem disposição para a polemica argumentou que o trabalho fora um presente da própria artista. Se não entendia o abstratismo das cores fortes em vermelho e amarelo, usados na pintura que mesclava tintas, areia e pigmentos em ouro, explicaria tudo outra vez. Sim, porque no início do namoro, relatara toda a história daquele trabalho. E de outros detalhes artísticos que ocupavam as paredes da residência. Ela achara bacana. Tempos de champagne, tudo acabava em borbulhas e esquecimento.

Em outras palavras é sempre assim. O começo é uma pré-estréia com tapete vermelho. Qualquer cantinho vira mansão. Não existe o feio na casa da paixão. Aos poucos – e isso é uma característica bem feminina – começam as pequenas intrometidas dicas. O sofá já não é tão legal. Aquelas panelas que foram da tua avó, resistiram a todas ex-namoradas, esposas ou candidatas, correm novamente o risco de serem vendidas a um ferro-velho. Os canteiros cultivados em anos de trabalho, brigas com jardineiros preguiçosos e tias solteiras, voltam a sofrer ameaça de despejo. Até a disposição de porta-retratos, ou a marca de teu desodorante é questionada por sensíveis narinas apaixonadas.

Vida a dois tem um preço alto. Pode acabar em "Vida a um mandando e outro obedecendo". Ilustres leitores deste post, solteiros, casados ou juntados. Em datas especiais – aniversário de convívio, por exemplo - dêem como presente, liberdade e alguma consideração a história individual de cada um. A partir daí, tudo se negocia. Até uma obra de arte pode ser alvo de mudança para uma nova sala, ou troca de moldura. Quem sabe?

Mas para a comédia romântica do cotidiano seguir em frente é preciso tato e sensibilidade. Ou pode acabar em tragédia “shakesperiana”. Aliás, foi o próprio dramaturgo inglês quem disse, “Lutar pelo amor é bom, mas alcançá-lo sem luta é melhor”.

4 comentários:

Léa Aragón disse...

É isso aí, Arizinho. Por essas e por outras que não tenho - há muito tempo - interesse em me 'amontoar'. Dosolivre que alguém me dê um palpite, mesmo com os mais doces olhos azuis...

Gilberto Jasper disse...

Meu falecido pai, 35 anos de casado, repetia: "Casamento é a arte de se fazer de surdo, meu filho!". Não chego a tanto, mas é alguma deficiência auditiva certamente contribui para a longevidade da relação. Com o passar do tempo é comum que os elogios às qualidades que nos atraíam fiquem escassos. Os defeitos adquirem um tamanho enorme e os momentos, antes de compartilhamento, são reduzidos a tréguas eventuais. Maturidades, sensibilidde e bom-senso - qualidades nem sempre à venda no mercado - asseguram, pelo menos, uma convivência civilizada. Com ou sem um belo quadro na parede...
Gilberto Jasper/POA

Caren Mello disse...

Belíssimo texto. Sensível, objetivo e real. Sim, porque, se alguém não passou, está passando ou irá passar por isso, inexoravelmente.

Tárik Matthes disse...

Não é pra dar pra ninguém esse quadro ! Nem se quer tocar nele, se quiser tirar, tudo bem, tu que mora aí. Mas eu quero ele para mim ! É sério.
Qualquer quadro que tiver aí que tu não queira, por favor né, me dê.
Principalmente o Eldorado !