Pesquisar este blog

terça-feira, 22 de junho de 2010

A mansão dos ratos psicanalíticos

Era um antigo casarão. Típico das famílias uruguaias em décadas passadas de maior riqueza. O estilo clássico, o interior de peças amplas  e móveis de madeira maciça formavam um conjunto imponente e acolhedor. As portas imensas abriam-se para salas de jantar ou um gracioso jardim de inverno. Em outra extremidade, o escritório com paredes forradas em couro. Mais adiante, a biblioteca.Que espaço magnífico!

Os livros exploravam os limites do teto e da imaginação. Centenas de publicações organizadamente catalogadas. Romances, bibliografias, enciclopédias, dicionários e almanaques centenários. Milhares de palavras transformando as estantes em tesouros de conhecimento.  Estrategicamente disposta junto a janela, uma poltrona de veludo verde musgo convidava a leitura. Ela simplesmente não acreditava naquele momento perfeito. E mais impressionante ainda a casa fora comprada pelo marido. Porque o Uruguai? Talvez a identidade cultural com o pequeno e simpático país vizinho.

Fazia planos de pequenas alterações, onde colocar mais quadros e esculturas e, foi assim que percebeu uma estranha movimentação atrás de um móvel. Era um rato! Nem teve tempo de gritar, de repente outras tantas ratazanas surgiam entre frestas e cortinas. Deveria haver dezenas deles. Tão habituados estavam com a casa que sequer fugiam das pessoas. Assustada passou a calcular em quanto deveria gastar em venenos para liquidar com os aqueles detestáveis inquilinos.

Resmungava que era sempre assim, tudo em sua vida sempre exigia mais trabalho. Não conseguia concentrar-se em nada mais. Nem no marido, nem nos móveis e detalhes, mas apenas nos roedores que surgiam de todos os cantos. Assustada correu em direção a porta quando um som estridente, muito alto, a acordou.

Eram 6h30min de sábado! Era um sonho muito vivo, rico em detalhes. Tudo parecera real demais. Existiria aquela residência, em alguma discreta cidade do interior uruguaio? O marido, é claro, ironizou, ao afirmar que até em sonhos presenteava coisas lindas que, no fundo, carregavam problemas que ela, por natureza, se via obrigada a corrigir. Evitou uma avaliação psicanalítica do sonho. Os ratos saindo de porões e armários. Preferiu a avaliação de uma amiga de que ratos, por proliferarem-se rapidamente deveriam significar dinheiro. E a tal casa, quem sabe não seria aqui mesmo no Brasil, em uma cidade menor, onde ambos pudessem alternar em períodos com o apartamento na cidade? Estavam próximos de uma aposentadoria.

A noite, voltou a dormir e desta vez não sonhou com casas ou ratos. O marido não pregou o olho. Será que tudo que fazia no relacionamento era carregado de bichos nojentos como os tais ratos do sonho? Ela seria a faxineira dos projetos que tentavam dividir? Quem sabe por isso estaria extenuada e distante. A proposta de uma vida saudável a dois ficaria como? Deprimido, somente dormiu após algumas taças de vinho.

Sonhou que viajava em um ônibus novo e da janela avistava um imenso e ensolarado deserto. Olhou para trás e percebeu centenas de ratazanas mortos na estrada. Acordou suando. A boca seca exigia água. Tomou uma ducha bem quente e ligou a televisão onde uma antiga comédia romântica embalou um sono sem sonhos. Quem sabe, enquanto antigas culpas tentavam inutilmente ocultar os bichos escrotos do cotidiano.

3 comentários:

Beatriz Vinholez disse...

As descobertas de Freud, de que os sonhos têm um conteúdo psicológico fundamental revolucionaram o estudo da mente. Antes os sonhos eram tidos como meros efeitos de um trabalho desconexo, provocados por estímulos fisiológicos. Os conhecimentos desenvolvidos por Freud trouxeram os sonhos para o campo da Psicologia e demonstraram que estes são tão somente a realização de desejos, disfarçados ou não, satisfeitos em pleno campo psíquico.

Ari Teixeira disse...

Nossa Beatriz! Seja vc quem for, valeu!

James Pizarro disse...

Parabéns pelo blog !

Abraço fraterno

James Pizarro

www.professorpizarro.blogspot.com

www.antesqueanaturezamorra.blogspot.com