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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A menina que odiava Papai Noel

Presentes - "Papais Noéis",
Um ano esperando um dia,
Quando a grande maioria,
Sofre destinos cruéis.
O amor pesado a "mil-réis",
E mortos vivos que andam,
Instituições que desandam,
Porque esqueceram Jesus,
O que precisa, é mais luz,
No coração dos que mandam!
Jayme Caetano Braun

Um mês antes do Natal, a única boneca da pequena Érika, sumiu. O desaparecimento de sua “filha” de pano a fez chorar muito. De família humilde, a menina consolou-se na esperança de que o Papai Noel, quem sabe, lhe trouxesse outra. Talvez uma linda boneca igual a de suas primas ricas, com rostos de louça. Essa história aconteceu nos anos 30, tempos onde não existiam brinquedos em plástico. A maioria era em madeira ou tecido e muito caros, importados da Europa.

Na hora dos presentes, Erika foi a primeira a sentar em volta da árvore. Esperava o bom velhinho e seus pacotes encantados. Meias e ceroulas para os tios, pijamas para os avós, carrinhos e livros infantis para os primos e ela aguardando, de olhos fixos no saco de linhagem que se tornava cada vez mais magro. Ao chegar sua vez  os olhinhos de Érika, brilhantes de alegria, não esconderam uma ponta de decepção ao ver uma bonequinha idêntica a desaparecida. Com roupas novas, mas com os mesmos olhos azuis. Até as manchas se pareciam! Nos dois anos seguintes, se repetiu o “seqüestro” da cada vez mais gasta boneca de pano, que sempre voltava de roupas novas para a desencantada Érika.

Aos sete anos, não acreditava mais em Papai Noel. Irritava-se quando seus pais, constrangidos por não poderem presenteá-la com brinquedos novos, diziam que ela não ganhara o que pedia, por causa de uma teimosia, de uma briga com os irmãos e outros pequenos pecadinhos, tão pequeninos que ela nem lembrava mais. Papai Noel era rancoroso. E pão-duro! Érika odiava aquele velhinho suado que a presenteava, ano após ano, com a mesma desilusão. Um sonho cada vez mais desbotado e remendado. Cresceu com esta raiva. Casou, teve filhos e, embora a vida mais folgada, insistiu em ensinar aos filhos que aquele velho geralmente de barbas artificiais, era coisa do comércio.

"O Papai Noel de vocês somos nós". As crianças a ouviam, mas achavam que a mãe, sempre correta, desta vez fazia injustiça com o bom velhinho. O piá mais novo chegou a argumentar que, mesmo pobre, Jesus recebera os três reis magos com presentes em ouro - que valia muito - e também, incenso e mirra (o que é isso afinal?) mais baratos. Levou muito mais tempo para Érika compreender o gesto de seus pais. Na verdade, tentavam manter aceso o espírito natalino nos filhos. Dar-lhes uma esperança, um estímulo para melhorar sempre. A mesma boneca com roupinhas novas, feitas pela mãe durante a madrugada, era o que podiam dar, além da ceia, sempre farta.

"Eles erraram ao nos deixar afastados da realidade. Filhos não tem vergonha do aperto dos pais. Serão  solidários. Eu sentiria orgulho de minha mãe, ao saber que ajudara o Papai Noel, remendando a boneca que eu tanto amava. Seria uma noite realmente feliz, como diz a música", garante Erika.

3 comentários:

Christian M. Jung disse...

Brilhante a história.Realmente acho que criamos mais expectativas em nossas crianças do que elas realmente esperam. É o medo de decepcionar.
Abração

Arizinho disse...

Valeu! Ássim eram os natais de minha mãe, que detestava Noel, o velho que lhe roubava a boneca - seu único brinquedo - para devolver, de roupa nova, em dezembro.

Flavio Dutra disse...

Bela e emocionante história. Está cada dia melhor, Arizinho.