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segunda-feira, 11 de abril de 2011

Exageros da mídia na tragédia do Rio de Janeiro

Por Gilberto Jasper
Especial/Concriar
Não defendo a divulgação somente de informações positivas para apresentar diariamente uma espécie de “noticiário cor-de-rosa da vida”. Há muitos anos se instalou uma polêmica a respeito da cobertura jornalística de qualquer natureza: o consumidor (leitor, ouvinte, internauta e telespectador) adora de tragédias e por isso os veículos de comunicação optam predominantemente por este tipo de conteúdo ou os jornais, rádios, sites e televisões manipulam a opinião pública para fazer deste conteúdo a preferência da maioria?

Faço esta introdução para confessar que, como jornalista profissional há mais de 30 anos, estou envergonhado com a massacre que as emissoras de televisão impingiram à audiência em relação à chacina que resultou na morte de 12 jovens numa escola do Rio de Janeiro. O programa Fantástico do último domingo foi repugnante. Assisti apenas à parte que falava de um pretenso “manuscrito” que, por enquanto, é um conjunto de folhas rabiscadas por um demente porque estava à espera dos gols da rodada.

É necessário mostrar uma criança baleada
na cabeça deitada numa cama de hospital?
Entrevistar crianças baleadas – como um menino atingido no peito, mãos e cabeça – deitadas num leito de hospital é apelativo para dizer o mínimo. Longe de mim ser puritano, mas é preciso respeitar alguns limites mínimos sob pena de transformar o país num espetáculo dantesco onde a dignidade humana não vale um centavo. Dirigentes da Rede Globo costumam endereçar farpas contra a Rede Record pelo gosto duvidoso de divulgar “notícias de sangue”, predominantemente policiais, de cunho violento, apelativo e de baixo nível.

Desde a divulgação do massacre do bairro carioca do Realengo, a Globo se transformou numa cópia do Programa do Ratinho. Montou um estúdio defronte à escola onde ocorreu a chacina e bombardeou o telespectador com todo tipo de conteúdo apelativo da madrugada à noite. Não poupou sequer pais, professores, parentes e as próprias vítimas. Aquela imagem capturada do circuito interno da escola que exibia um menino agonizando, baleado e caído no chão, extrapolou qualquer medida de bom senso.


Fazer jornalismo é mostrar a realidade. Ok, mas há limites para tudo.
Até mesmo na luta pela audiência é preciso equilíbrio.

Imagino que um batalhão de repórteres e produtores da Globo bateu de casa em casa na vizinhança do colégio em busca de “imagens inéditas”, verdadeira obsessão da rede plin-plin.

O impacto do massacre na escola foi tão grande
que algumas imagens eram desnecessárias

Será que o episódio em si mesmo já não seria motivo suficiente para gerar a revolta de todo o país e do mundo? É necessário exibir à exaustão cenas de crianças ensanguentadas correndo desatinadamente porta afora da escola ou depois sentada na calçada, aos prantos, à espera de socorro?

A noite de domingo piorou diante das feições pungentes, de dor e revolta, de Zeca Camargo e Patrícia Poeta e, logo em seguida, grandes sorrisos para anunciar a reportagem sobre a perda de peso dele e de Renato Ceribelli. Como acreditar em tamanha charlatanice de sentimentos de quem faz de tudo para vender audiência de qualquer custo?

Muita gente me achará reacionária. Dirá que a censura acabou, que há total liberdade de expressão no país e que se deve mostrar “a vida como ele é”. Lamento, amigos, mas eu não compartilho deste ponto-de-vista. O respeito à vida e à dignidade das pessoas foi invocado milhares de vezes desde os assassinatos. Ao vivo e em matérias gravadas, porém, o que houve foi um vale-tudo por pontinhos do Ibope.

Depois de mais de três décadas como profissional da informação, confesso que continuo envergonhado. Tenho filhos, adoro crianças e aprendi que respeito é bom e tudo mundo gosta.

Menos os canais de televisão, ao que parece.

Leia mais sobre o assunto em http://viadutras.blogspot.com/2011/04/roteiro-previsivel-da-tragedia.html

6 comentários:

Flávio Dutra disse...

A espetacularização da tragédia tb me repugna, Giba. Tanto que acabei de postar no ViaDutra uma análise,não tão completa e lúcida como a tua, mas dando conta do quanto me incomoda o tratamento da midia, a tv em especial, a casos como esse episódio lamentável do Rio.

Ari Teixeira disse...

Leia mais sobre o tema no blog do Flavio Dutra... clique aqui
http://viadutras.blogspot.com/2011/04/roteiro-previsivel-da-tragedia.html

Anônimo disse...

Concordo em grau, gênero e número. Ao invés de aproveitar o tempo, para mostrar o como as escolas podem ser produtivas e um espaço de fazer bons amigos, através de projetos educativos, as emissoras seguem nesse círculo vicioso da violência. Não adianta chorar, essa era uma tragédia anunciada, parafraseando Garcia Marques. O que precisa é ação dos poderes públicos e da própria sociedade no combate à discriminação e preconceito que estão diariamente refletidos em nossas crianças e adolescentes, nas escolas, e que desembocarão na vida adulta. Não estou justificando o ato insano do agressor, mas é preciso olhá-lo também como vítima. Em algum momento ele foi a vítima e seus atos são como que uma vingança contra todos os que o agrediram. Isso somado a psicopatia, esquizofrenia, e outros desvios de conduta dele, agiram como uma bomba no seu comportamento.
Se queremos mudar realidades como essa, é preciso mais, muito mais do que sangue no jornal (como já dizia Vinícius).

Milton Gerson
Jornalista - POA/RS

Nopin disse...

O povo não quer muito! Só pão e circo!

Clovis Heberle disse...

O jornalismo de espetáculo, surgido e criado nos Estados Unidos, foi adotado com raro entusiasmo pela televisão brasileira, especialmente a Globo ( suas afliadas) e a Record. O importante é divertir e emocionar, nunca fazer pensar.
Muito boa esta análise do Gilberto. Ari, teu blog passou para os meus favoritos. Abraços!

Ari Teixeira disse...

Concordo contigo, Clóvis. E como podes perceber, teu blog também está entre meus favoritos. Abração!