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quarta-feira, 1 de julho de 2009

Muito além do cárcere


No governo Britto, eu era um humilde assessor de imprensa quando a Brigada Militar assumiu no lugar dos agentes penitenciários. E é claro, como bom carregador de piano, lá se foi o Arizinho a Charqueadas acompanhar o processo e recepcionar a imprensa. Acabei obrigado a circular por aquele mundo sombrio. Leis próprias, motivações independentes de qualquer julgamento e ações práticas que a sociedade que optamos por viver, não entende e tem dificuldades em frear.

Quem trabalha lá, em menor ou maior grau, acaba infectado pelo ambiente pesado, de expectativas sombrias. Cruzo diariamente a BR 290 em meu caminho para casa, algumas vez dei carona para os brigadianos que encerravam plantão nos presídios de Charqueadas. A maioria saía de lá angustiado, “Nos sentimos como se cumpríssemos pena também. Só que sem cometer crimes”, disse um deles uma vez. Muitos relatavam cenas chocantes, como a do apenado que, ao se recusar a participar de ações criminosas organizadas no presídio, foi obrigado a “ceder” a esposa, ou ele mesmo seria escravo sexual das lideranças de sua galeria.

Quase enlouqueceu ao ver a mulher servir aqueles homens. Morta viva, humilhada. Tão arrasada estava que, dias depois, implorou aos policiais que matassem seu marido para não precisar voltar. O suor dos homens que a tinha abusado, não saía da pele, os rostos secos, carregados de um desprezo egoísta e cruel a massacravam em pesadelos. Tinha uma filha jovem e bonita, temia que a descobrissem. Não queria ve-la herdar um castigo que não era seu.

A tortura está presente a todo instante. Eu sei, agentes penitenciários devem ser punidos quando abusam da autoridade que a sociedade lhes ortougou. Mas acho que lá igualmente cumprem uma espécie de pena. Mesmo sendo profissionais assalariados e treinados, têm a espinhosa missão de cuidar de gente que não aprendeu a ser gente quando criança. Será que aprenderão agora?

A questão carcerária vai muito além deste post, ou do clamor da sociedade que se considera livre. Dos formadores de opinião que vão às rádios bradar críticas, defender direitos dos que se encontram sob custódia do Estado. Mas quem afinal é o sujeito encarcerado? Tomar conta de presídios, em minha visão, é quase como assinar um pacto como o diabo. Por isso, não levanto bandeiras, a não ser a branca, é claro. Paz! O resto é um grito perdido no vácuo do coletivo.

2 comentários:

GILBERTO JASPER disse...

Trabalhei breves meses na finada Secretaria da Segurança e Justiça com o brilhante Bernardo de Souza. Foram poucos, mas marcantes meses que deixaram uma certeza: a visão que temos das prisões - aqui do lado de fora - nada ou muito pouco tem ver com a realidade vivida lá dentro, um mundo paralelo à liberdade. Lembra que certa vez havia uma ameaça de greve de fome no Central e me fui com o secretário para uma reunião com os líderes do movimento. Depois daquele episódio mudei totalmente de opinião sobre presos, servidores, brigadianos que fazem a guarda das casas prisionais e de direitos humanos e seus defensores. Lamentavelmente há muitas pessoas que defenderm interesses outros que não sejam mostrar TODOS os lados de uma polêmica onde é difícil apontar mocinhos e bandidos. É mais fácil deitar falação, fazer proselitismo e optar pelo discurso fácil e cheio de chavões. Uma pena.

GILBERTO JASPER

Letícia Martins disse...

Muito denso este texto.Falaste uma coisa verdadeira, que esta questão envolve toda a sociedade, cada um na sua área de atuação deverá se engajar de forma a solucionar estas, dentre muitas outras questões "deturpadas" da nossa sociedade.
Me chamou atenção quando falaste "gente que não aprendeu a ser gente quando criança"; faço trabalho voluntário e vejo como é árdua a tarefa de educar crianças, formando seus caráters, porque infelizmente os próprios pais não o fazem. Não os culpo; apenas aponto para a imensa responsabilidade nas mãos dos educadores.